O que há de novo na investigação da doença de Alzheimer

Chega ao Brasil um exame de sangue que calcula um escore de risco para placas beta-amiloides.

Caracterizada por uma degeneração progressiva do tecido cerebral, que resulta em comprometimento da memória, da linguagem e de outras áreas da cognição, a doença de Alzheimer (DA) é um dos maiores desafios em saúde do século 21. Representa a forma mais comum de demência, respondendo por 60% a 80% dos casos em pessoas com mais de 65 anos, e afeta mais de 50 milhões de indivíduos em todo o mundo, dos quais 2 milhões no Brasil. Devido ao envelhecimento populacional, estima-se um aumento importante da prevalência do quadro nas próximas décadas.

Uma vez que o diagnóstico clínico da doença costuma ser insuficiente, houve, nos últimos anos, um progresso considerável no desenvolvimento de biomarcadores para a DA, que se baseiam nas alterações fisiopatológicas características do quadro e vêm modificando seu reconhecimento.

Por dentro dos mecanismos da doença
A fisiopatologia da DA vem sendo bastante estudada nos últimos anos e a distingue de outras formas de demência. As alterações mais típicas recaem na formação de peptídeos βA, secundários à clivagem da APP, uma proteína de membrana celular. As formas mais comuns de βA, compostas por 40 (βA40) ou 42 (βA42) aminoácidos, tendem a se agregar em complexos que se depositam como placas no cérebro – as chamadas placas βA –, provocando danos aos neurônios e morte celular.
Além da destruição dos neurônios por esse fenômeno, alterações no peptídeo tau participam do mecanismo patológico da DA. A hiperfosforilação do tau compromete sua função e promove a formação de emaranhados neurofibrilares, que se acumulam dentro dos neurônios, prejudicando a comunicação celular e provocando, em última instância, a morte neuronal.


Embora as placas beta-amiloide (βA) e os emaranhados neurofibrilares tenham sido identificados há mais de cem anos em material de necropsia, apenas recentemente foram desenvolvidos métodos que possibilitam a detecção de tais alterações in vivo.

Nesse contexto, a determinação da presença de placas βA cerebrais por tomografia por emissão de pósitrons (PET-CT) ou pela análise das proteínas no líquido cefalorraquidiano (LCR) se destacam e, em associação a sinais e sintomas compatíveis, colaboram para o esclarecimento definitivo da condição.

Contudo, a implementação desses dois métodos na prática clínica ainda se mostra limitada devido a seu alto custo e pouca disponibilidade, ao uso de radiação – no caso do exame de PET-CT – e à necessidade de punção lombar para as análises feitas em LCR.

É nesse cenário que se insere o PrecivityAD2TM, um teste inovador, realizado em sangue periférico, que determina a presença das placas βA cerebrais por meio de biomarcadores plasmáticos. O Grupo Fleury firmou um acordo com a clínica C₂N Diagnostics (EUA), desenvolvedora do exame, e acaba de trazer a novidade para o Brasil.

Validado analítica e clinicamente, o novo recurso quantifica, simultaneamente, a concentração dos marcadores neuropatológicos da doença no plasma: as proteínas βA40 e βA42 e os peptídeos tau-fosforilado 217 (p-tau217) e não fosforilado 217 (np-tau217). Nesse ponto, vale observar que, dentre as isoformas de p-tau – 181, 199, 217 e 231 –, a 217 exibe maior especificidade para a DA, além de sofrer alterações de maneira mais precoce.

O principal desafio para a análise desses biomarcadores no sangue periférico é o baixo nível plasmático de tais moléculas. Contudo, o PrecivityAD2TM emprega tecnologias ultrassensíveis, como a imunoprecipitação seguida por cromatografia líquida acoplada à espectrometria de massas (LC/MS), que permitem superar essa limitação, uma vez que se trata de métodos capazes de mensurar, de modo acurado, as proteínas do sistema nervoso central no plasma.

O exame ainda estabelece as razões βA42/βA40 e p-tau217/np-tau217, importantes para mitigar o efeito de fatores interferentes, a exemplo de doença renal crônica.

As variáveis avaliadas, a seguir, passam por um algoritmo de propriedade da C₂N Diagnostics, o qual calcula o escore de probabilidade amiloide 2 (APS2, na sigla em inglês), um valor numérico que varia de 0 a 100 e, assim, indica um resultado negativo (APS entre 0 e 47) ou positivo (APS entre 48 e 100) para a presença de placas amiloides, com acurácia significativa quando comparada ao estudo de PET-CT (fio para tabela 1).

Os resultados são fornecidos em formato de relatório e sua interpretação exige cuidado, devendo sempre considerar o quadro clínico subjacente, os testes neurológicos e cognitivos e outros exames complementares.


Tabela 1: Resultados do PrecivityAD2TM 

Escore de probabilidade amiloide 2 (APS2)

Interpretação

De 0 a 47

Negativo

Consistente com exame PET-CT amiloide negativo
Reflete baixa probabilidade da presença de placas amiloides cerebrais e, portanto, não condiz com diagnósitco neuropatológico de DA
De 48 a 100

Positivo

Consistente com exame PET-CT amiloide positivo
Reflete alta probabilidade da presença de placas amiloides cerebrais, achado neuropatológico característico de DA

Adaptado de: 2023 C2N Diagnostics


Indicações bem definidas

O PrecivityAD2TM foi desenhado para investigar a DA em indivíduos com idade igual ou superior a 55 anos, sinais ou sintomas de declínio cognitivo leve ou de demência e suspeita de DA ou de outras causas de comprometimento da cognição.

Vale ponderar que, até o momento, não se recomenda o novo exame para pessoas com menos de 55 anos ou para o rastreamento da doença na ausência de declínio cognitivo ou, ainda, para a avaliação de alterações longitudinais, a exemplo da monitoração de resposta a tratamentos.

A disponibilidade de um teste de alto desempenho (tabela 2), feito em sangue periférico, confere maior acesso do paciente à investigação laboratorial e pode trazer um grande impacto para o diagnóstico da DA, sobretudo no início dos sintomas, auxiliando a identificação oportuna e acurada da doença, o estabelecimento de prognóstico, uma melhor compreensão do quadro pelo indivíduo afetado e pela família e a extensão das estratégias terapêuticas e dos cuidados direcionados. Ademais, impulsiona a pesquisa clínica e o desenvolvimento de novos tratamentos.


Tabela 2: Performance do teste PrecivityAD2

Sensibilidade
88%
Especificidade
89%
Valor preditivo positivo
90%
Valor preditivo negativo
87%
Área sob a curva (AUC-ROC)
0,94
Acurácia
88%

Adaptado de: 2023 C2N Diagnostics


Principais vantagens da pesquisa de biomarcadores em sangue periférico

  • Exame não invasivo
  • Sem uso de radiação
  • Coleta da amostra de sangue feita no laboratório ou na casa do paciente
  • Custo mais baixo em comparação aos exames de imagem
  • Bom desempenho mesmo em fases precoces da doença


Diagnóstico clínico 

Quando feito com base apenas em critérios clínicos, sabe-se que o diagnóstico clínico da DA tem baixas sensibilidade e especificidade, sobretudo em indivíduos com declínio cognitivo leve.

Isso porque a doença apresenta um amplo espectro de sintomas que pode se sobrepor a características comuns ao envelhecimento e a outras formas de demência ou condições neurológicas.

Essa heterogeneidade nos quadros está associada a diversos fatores, como a composição e localização das placas βA, a distribuição da tau, o padrão de atrofia cerebral, o grau de evolução da doença e a presença de outras comorbidades.

Como se não bastasse, os processos fisiopatogênicos que desencadeiam a DA têm início muitos anos antes do aparecimento das manifestações clínicas, o que dá ainda mais sentido à necessidade do diagnóstico precoce, sobretudo em pleno advento de novos e promissores tratamentos, que requerem o reconhecimento célere da doença e sua diferenciação de outros tipos de demência.


Fatores de risco para o quadro

Modificáveis

Não modificáveis

  • Tabagismo
  • Idade
  • Hipertensão arterial sistêmica
  • Dano cerebral por trauma
  • Obesidade
  • Genéticos
  • Diabetes mellitus
  • Sexo feminino
  • Sedentarismo
  • História familiar
  • Atividades mentais e sociais restritas
  • Comorbidades
  • Baixo nível educacional

  • Privação de sono


Principais sintomas 

  • Comprometimento da memória com prejuízo das atividades de vida diária
  • Dificuldade de planejamento ou resolução de problemas
  • Incapacidade de concluir tarefas habituais
  • Dificuldade de orientação espacial
  • Confusão com datas, passagem do tempo
  • Comprometimento da linguagem
  • Problemas com imagens visuais
  • Dificuldade para guardar/encontrar objetos familiares
  • Perda da capacidade de julgamento
  • Afastamento de atividades sociais
  •  Alteração de humor, personalidade ou comportamento


Consultoria Médica

Dr. Aurélio Pimenta Dutra
[email protected]