Obesidade na infância e na adolescência

Diagnóstico e tratamento do excesso de peso são essenciais para evitar complicações na vida adulta.

O excesso de peso entre crianças e adolescentes despontou como uma das mais graves preocupações de saúde pública nas últimas décadas. A obesidade se caracteriza pelo acúmulo excessivo de gordura corporal além da média para idade e sexo, produzindo efeitos deletérios à saúde como síndrome metabólica, diabetes mellitus e problemas ortopédicos e psicológicos. Como se não bastasse, também se configura como fator de risco cardiovascular. Sabe-se que 50% dessas crianças apresentam, pelo menos, um fator de risco para doença cardiovascular (DCV) e que 75% permanecem obesas na idade adulta.

Em 2019, no Brasil, o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional do Ministério da Saúde registrou que 16,3% das crianças entre 5 e 10 anos tinham sobrepeso, 9,3%, obesidade, e 5,2%, obesidade grave. Entre os adolescentes, 18% tinham sobrepeso, 9,5%, obesidade, e 3,9%, obesidade grave. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em 2025, haverá 75 milhões de crianças obesas em todo o planeta, porém, com a pandemia de Covid-19, as projeções se elevaram por conta do isolamento social e do consequente menor gasto energético, associados à má alimentação. A Academia Americana de Pediatria publicou, em 2021, um aumento na incidência da doença em crianças de 13,7% para 15,4% durante a pandemia.

O diagnóstico de sobrepeso e obesidade em crianças acima de 2 anos é realizado por meio do índice de massa corporal (IMC) e dos percentis normativos de IMC do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, conforme curvas de percentil para idade e sexo. Considera-se sobrepeso o IMC igual ou superior a P85, mas abaixo de P95. Já a obesidade corresponde ao IMC igual ou superior a P95 e a obesidade extrema, ao IMC igual ou superior a 120% do P95.

Nas crianças até 2 anos de idade, utiliza-se o gráfico de peso versus comprimento, da OMS, sendo o paciente considerado obeso se a relação entre esses parâmetros estiver igual ou superior a P95 para idade e sexo.

Ao exame físico, além das medidas antropométricas de peso, estatura e circunferência abdominal, é sempre importante mensurar a pressão arterial e avaliar a presença de acantose nigricante, ou seja, de manchas escurecidas nas regiões de dobras, relacionadas com resistência à insulina.



Obesidade e comorbidades

A obesidade promove inflamação e aumenta a chance de desenvolvimento de fatores de risco cardiovascular na vida adulta, como hipertensão, dislipidemia, disfunção endotelial e alterações metabólicas, como resistência insulínica e hiperglicemia. Adolescentes com IMC acima de P85 têm mais de 90% de chance de apresentar obesidade ou sobrepeso aos 35 anos que os com IMC mais baixo.

Apesar de as DCV serem mais evidentes nos adultos, estudos sugerem que a aterosclerose começa na infância e/ou adolescência. Estima-se que 70% da população entre 5 e 17 anos com obesidade tem, ao menos, um fator de risco cardiovascular, o que está direta e positivamente associado com a presença e a gravidade de lesões ateroscleróticas precoces em adolescentes e adultos jovens. Outras complicações ainda incluem diabetes mellitus tipo 2 (DM2), hipertrofia do ventrículo esquerdo, esteatose hepática, síndrome dos ovários policísticos e resistência insulínica (RI).

O tecido adiposo vem sendo considerado um órgão endócrino, tendo, na RI, papel pivotal. A RI associa-se à adiposidade central e pode ser definida pela medida da circunferência da cintura. Sabe-se que o adipócito é estimulado por insulina, cortisol e hormônio de crescimento, entre outros, e responde secretando adipocinas como leptina e adiponectina, as quais participam de processos regulatórios da aterogênese, sensibilidade à insulina e balanço energético. No excesso de peso, ocorre redução da resposta dos tecidos aos efeitos da insulina, com redução da captação de glicose pelo músculo e pelo tecido adiposo, diminuição da formação de glicogênio e elevação da produção de glicose no fígado. A RI também está relacionada a aumento do espessamento do complexo mediointimal da carótida e à disfunção endotelial nos adolescentes obesos.


Avaliação de comorbidades em crianças e adolescentes
- DM2: hemoglobina glicada, dosagem da glicemia em jejum ou teste de sobrecarga oral (considerar antecedentes patológicos, risco familiar, etnia e fatores de risco adicionais para diabetes).
- Dislipidemia: triglicérides e colesterol.
- Síndrome dos ovários policísticos: testosterona total e frações, SHBG, 17OHP, 21-desoxicortisol, androstenediona, DHEAs, cortisol plasmático, LH, FSH, PRL, GH e IGF1 (se suspeita de gigantismo/acromegalia), cortisol após dexametasona, cortisol salivar das 23 horas e cortisol urinário de 24 horas (se suspeita de hipercortisolismo).
- Doença hepática gordurosa não alcoólica: TGO e TGP (valores altos sugerem estágio mais avançado da doença, hepatite ou alterações fibróticas).
- Hipertensão arterial sistêmica (HAS): medir a pressão arterial e analisar os valores segundo curvas adequadas para sexo, idade e percentil de estatura. Se houver HAS, investigar causas de HAS secundária.
- Apneia obstrutiva do sono: encaminhar para polissonografia, se houver história positiva.
- Alterações psiquiátricas: encaminhar para serviço especializado.


Estresse psicológico na adolescência

A adolescência por si só é considerada uma fase do desenvolvimento estressante, que aumenta a secreção de cortisol, o qual se liga a receptores do SNC e periférico para mobilizar e redistribuir a energia armazenada por meio da gliconeogênese, glicogenólise, lipólise e RI, tentando minimizar os danos ao indivíduo até o término do estímulo. A consequência do estresse crônico pode se refletir em novos set points do organismo, como aumento da glicemia.

Síndrome metabólica

A síndrome metabólica (SM) é um conjunto de fatores de risco cardiometabólico que incluem obesidade abdominal, RI, aumento da pressão arterial, elevação dos valores de triglicérides e baixas taxas de HDL-colesterol, aumentando o risco de desenvolver doenças cardiovasculares e DM2. Existem várias definições de SM para crianças e adolescentes, porém não há um consenso. Em geral, vêm de modificações das classificações dos adultos, visto que é necessário usar parâmetros adequados para percentis de sexo e idade.



Tratamento

As recomendações para controle da obesidade incluem atividade física vigorosa por 20-60 minutos, por cinco dias na semana, restrição do tempo de tela, diminuição do consumo de nutrientes com alto valor calórico e baixo valor nutricional, controle do tamanho da porção, aumento do consumo de frutas e água, estímulo ao aleitamento materno, boa qualidade e tempo de sono, orientação da família, escola e sociedade e acompanhamento por equipe multidisciplinar, inclusive psicológico.

O tratamento farmacológico pode ser indicado após insucesso de programas intensivos de modificação de estilo de vida para mudança no peso ou melhora das comorbidades. Existem poucas medicações liberadas para a faixa etária pediátrica em diferentes países. Recomenda-se reavaliar a utilização da medicação se não houver queda em 4% no IMC/Z-escore após uso por 12 semanas em dose plena. No Brasil, a cirurgia bariátrica está indicada para adolescentes acima de 16 anos, desde que após avaliação minuciosa em centro médico especializado, com infraestrutura adequada.

O diagnóstico precoce e o controle da obesidade e suas complicações são fundamentais para diminuir a chance da persistência da doença na vida adulta e para melhora da qualidade de vida desses jovens, que se assemelha à dos pacientes com câncer ou diabetes, assim como para reduzir o risco de depressão, baixa autoestima e ansiedade.

 

Consultoria médica

Dra. Patrícia Hernandez
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Dra. Vanessa Radonsky
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