Quando falamos em radiação, as pessoas sempre pensam em fatos negativos, mas a aplicação em medicina
A natureza física da radiação é muito semelhante à da luz. Ao contrário do que ocorre com a luz, porém, nosso olho não tem capacidade de enxergá-la. Isso a torna mais perigosa! A radiação pode ser emitida por máquinas projetadas para produzi-la, como aparelhos de radiografia, mamografia ou tomografia, ou por substâncias radioativas produzidas nos reatores nucleares, a exemplo do césio-137 e do iodo-131. Quando essas substâncias são lançadas no meio ambiente, as pessoas podem ser atingidas pela radiação emitida (exposição radioativa). Nos casos em que esses elementos são ingeridos, inalados ou depositados sobre a pele ou o cabelo (contaminação radioativa), o indivíduo, além de receber a radiação diretamente sobre si, passa a ser também uma fonte carreadora da substância radioativa.
Existem três formas básicas de diminuir a exposição radioativa: distância, tempo e blindagem. Recebemos menos radiação se ficamos mais longe do elemento radioativo, se ficamos perto o menor tempo possível e se a substância está envolvida por proteções que bloqueiam a radiação, como o chumbo e o concreto.
Na prevenção da contaminação radioativa, o objetivo é evitar que a substância radioativa entre em contato com o meio ambiente e com as pessoas ou mesmo se espalhe entre elas. Por exemplo, um indivíduo com a mão contaminada com uma substância radioativa vai disseminar a radiação para a maçaneta, o telefone, os talheres, a mão de outras pessoas ao cumprimentá-las, o assento do ônibus, o dinheiro, o mouse do computador, etc. Por isso, trabalhadores de instalações radioativas usam luvas e aventais e têm suas mãos sempre monitoradas no fim da jornada de trabalho. Pelo mesmo motivo, um objeto suspeito de contaminação é logo envolvido em saco plástico para evitar dispersão da substância radioativa.
Acidentes históricos
Quando falamos em radiação, as pessoas sempre pensam em fatos negativos. Acidentes traumatizantes, como os de Chernobyl, em 1986, de Goiânia, em 1987, ou a explosão das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, na Segunda Guerra Mundial, imediatamente vêm à mente. O fato é que o medo e a curiosidade em relação à radioatividade aumentam diante da possibilidade de desastres nucleares, como as vividas atualmente em Fukushima, no Japão, levantando uma série de questões. Como a radiação pode afetar os seres humanos? A radiação utilizada em medicina é a mesma emitida nesses acidentes? A radiação recebida em exames médicos pode fazer mal?
Para responder a essas perguntas, precisamos entender que a quantidade de radiação recebida por organismos vivos é um dado muito importante. Costumamos medir essa quantidade em milisievert (mSv). Para ter uma ideia, em um exame de diagnóstico médico, como uma tomografia ou cintilografia, o paciente é exposto a algo em torno de 10 mSv. Pessoas que trabalham com radiação, tais como médicos, biomédicos, operadores de reatores nucleares, físicos, engenheiros e técnicos de radiologia, entre outros, podem receber, no máximo, 20 mSv ao ano em condições ocupacionais. Já a população geral não pode sofrer exposição maior que 1 mSv ao ano – nessa contagem, vale sublinhar, não entram as exposições médicas.
Para efeitos de comparação, em acidentes como o de Goiânia, se alguém ficasse próximo dos restos de césio-137 durante uma hora, poderia receber cerca de 10.000 mSv. Quantidades dessa magnitude no corpo inteiro levam um indivíduo irreversivelmente à morte em algumas horas por acometimento cerebral (síndrome cerebral). Esse foi o caso dos 28 trabalhadores que trabalharam diretamente no reator logo após o desastre de Chernobyl ou das pessoas mais próximas ao local da explosão das bombas atômicas. Em uma exposição de cerca de 4.500 mSv, metade das pessoas morre. Entre 2.000 e 6.000 mSv, o óbito ocorre dentro de algumas semanas por destruição da medula óssea (síndrome hematopoética), com manifestações como sangramento e infecção. Essas doses podem causar também perda de pelos, queimaduras, catarata e esterilização.
Menos é mais
Obviamente não existe risco de morte ou de acidentes graves na utilização controlada de radiação em medicina. Apesar de ela ser, grosso modo, a mesma dos acidentes citados anteriormente, em tratamentos ou exames médicos a dose é geralmente muito menor. Em alguns casos, como na radioterapia, aplica-se a radiação apenas no tumor, e não no corpo inteiro, e em doses divididas ao longo do tempo, e não de uma só vez, como acontece em acidentes.
No uso de doses baixas de radiação, os potenciais efeitos não são imediatos, mas em longo prazo. O principal efeito tardio é o risco de lesão do material genético, com aumento da possibilidade de desenvolvimento de neoplasias no futuro. Infelizmente não sabemos quais são os limites absolutamente seguros. Não existem respostas para algumas perguntas típicas que o assunto suscita. Quantas cintilografias posso fazer em um ano? Quantas tomografias são permitidas de forma que não haja nenhum risco? Quantos mSv posso receber por ano de forma totalmente segura? O que sabemos, com certeza, é que um exame bem indicado, bem realizado e bem interpretado proporciona benefícios ao paciente que superam, em muito, um aumento discreto de risco futuro de câncer.
Diante da falta desses limites de segurança, trabalhamos com o conceito As low as reasonably achievable (Alara), que pode ser traduzido para “tão baixo quanto razoavelmente executável”. Na prática, sempre tentamos diminuir a quantidade de radiação recebida. Isso ocorre num ambiente ocupacional em que os trabalhadores são treinados a ficar o menor tempo e o mais longe possível da radiação e a utilizar blindagens – o técnico de radiologia, que fica atrás do biombo de chumbo durante uma mamografia, é um bom exemplo dessa situação. Da mesma maneira, na realização de exames médicos, os aparelhos são calibrados para emitir apenas a quantidade de radiação necessária para obter imagens de qualidade e injetam-se materiais radioativos em quantidades controladas, sob supervisão do médico especialista em Medicina Nuclear. Todas as pessoas envolvidas no método diagnóstico recebem treinamento e todos os aparelhos passam por controles de qualidade para evitar repetição de exames. E, algo fundamental, realizamos os exames que usam radiação apenas com indicação médica.
A aplicação em medicina mostra que a radiação apresenta, sim, seu lado bom e pode ter impacto positivo quando utilizada de forma consciente e sob supervisão rigorosa.
*O Dr. Marco Antonio Condé de Oliveira é médico nuclear e supervisor de radioproteção
Outros assessores da Medicina Nuclear:
Dr. Gustavo Meirelles
Dra. Paola Smanio
Referências
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2. Health Phys. 2007 Nov.Health effects in those with acute radiation sickness from the Chernobyl accident Mettler FA Jr, Guskova AK, Gusev I.
3. Exposures and effects of the Chernobyl accident, Annex J of the 2000 Report of the United Nations Scientific Committee on the Effects of Atomic Radiation to the General Assembly.
4. The British Journal of Cardiology Radiation during cardiovascular imaging. November/December 2007 Roguin A, Nair P.
5. Norma CNEN Grupo 3 – Radioproteção; NN 3.01 Diretrizes Básicas de Proteção Radiológica.
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