Caso clínico ilustra a importância da discussão sobre o uso da ressonância magnética em pacientes com aterosclerose em carótidas.
Caso clínico ilustra a importância da discussão sobre o uso da ressonância magnética em pacientes com aterosclerose em carótidas
Caso clínico
Paciente do sexo masculino, 51 anos, apresentou episódio de isquemia subaguda no território da artéria cerebral média direita, conforme visto em tomografia computadorizada (TC) de crânio (figura A). Na investigação, as imagens de angio-TC das bifurcações carotídeas direita (figura B) e esquerda (figura C) evidenciaram placas parcialmente calcificadas e hipoatenuantes bilaterais, que promoviam estenoses entre 50% e 70%. A ressonância magnética (RM) cervical (figuras D coronal e E axial) apontou placa com intenso hipersinal na sequência T1 3D black-blood, do lado sintomático, compatível com hemorragias (seta em E), ao passo que, do lado assintomático, a placa exibiu hipossinal característico de componente proteico/colágeno (dupla seta em E).
(A) TC de crânio mostra lesão isquêmica subaguda no território da artéria cerebral média direita.
(B) Angio-TC evidencia placas parcialmente calcificadas e hipoatenuantes, promovendo estenose em bifurcação carotídea direita.
(C) Angio-TC evidencia placas parcialmente calcificadas e hipoatenuantes, promovendo estenose em bifurcação carotídea esquerda.
(D) RM cervical, corte coronal, sequência T1 3D black-blood, exibe placa compatível com hemorragia (hipersinal).
(E) RM cervical, corte axial, sequência T1 3D black-blood, aponta placa compatível com hemorragia (hipersinal) à direita. Observa-se, à esquerda, hipossinal compatível com componente proteico.
A discussão
O principal objetivo de um exame das carótidas é identificar placas potencialmente instáveis, propensas a causar futuros infartos. Ainda hoje, para separar as placas de risco alto das de baixo risco, os métodos angiográficos utilizam, como parâmetro, a estenose, cuja medida é uma avaliação indireta na qual não se estuda propriamente a placa de ateroma, e sim a repercussão que ela provoca no diâmetro do vaso.
A partir de estudos como o North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial, entre outros, recomenda-se a endarterectomia carotídea ou a colocação de stent em pacientes sintomáticos com estenoses acima de 70%. Além disso, considera-se a possibilidade de intervenção nos casos sintomáticos com estenoses entre 50% e 70% e nos assintomáticos acima de 70%, dependendo da ponderação entre risco e benefício. O tratamento invasivo, nesse cenário, é contraindicado em estreitamentos abaixo de 50%.
Entretanto, o foco dos estudos de imagem na estenose tem, como base, um conceito antigo de que os infartos decorriam de limitação do fluxo. Atualmente se sabe que a diminuição do fluxo proveniente de uma estenose é compensada por um aumento em sua velocidade, que só deixa de ser efetiva quando a área estreitada fica menor que 2 mm no menor eixo – o que ocorre em uma minoria dos pacientes –, e que a causa principal da isquemia é a ruptura da placa e a embolização de seus componentes ou do trombo que se forma na superfície rota.
Em 1987, Glagov et al. identificaram, em um estudo das artérias coronárias, que existe um remodelamento positivo do vaso no início da ateromatose, ou seja, a placa cresce para fora antes de começar a estreitar o calibre da luz vascular e o estreitamento só começa, de fato, quando a placa já envolve mais de 40% da circunferência da artéria. Assim, por analogia, foi possível especular que pacientes com doença ateromatosa carotídea podem não apresentar alterações em estudos angiográficos. Já em 1996, Carr et al. estudaram 25 peças de endarterectomia de indivíduos sintomáticos e 19 de assintomáticos e concluíram que a diferença entre os dois grupos não estava no grau da estenose, mas, sim, na presença de cápsula fina ou rota e na identificação de trombo e processo inflamatório intraplaca. Esse conjunto de achados levou ao desenvolvimento do conceito de placa instável, hoje visto como o grande fator preditivo de evolução com eventos – uma placa é considerada instável quando apresenta hemorragia, grande core lipídico e cápsula fina e/ou rota.
Nesse contexto, inúmeras pesquisas foram realizadas para estudar as características da placa ateromatosa humana in vivo pela RM. Contudo, antes de ser incorporada à prática clínica, a técnica precisava passar pela comprovação da correlação entre imagem e histologia e pela demonstração de que a identificação do aspecto da placa tinha realmente impacto clínico, validado por ensaios randomizados.
Os estudos que buscavam a correlação histológica para os achados da RM evidenciaram boa concordância, com sensibilidade e especificidade da ressonância em áreas maiores que 2 mm2 de 95% e 76%, respectivamente, para identificar core lipídico, e de 87% e 84%, respectivamente, para detectar hemorragia.
O segundo passo consistiu em verificar se a identificação dos elementos de instabilidade da placa por meio da RM tinha relevância clínica. Gupta et al., em metanálise publicada em 2013, verificaram que a presença de placa fina ou rota, hemorragia intraplaca e core lipídico aumentava o risco de AVC em 5,95, 4,55 e 3,0 vezes, respectivamente.
A introdução da avaliação por RM na prática clínica
Apesar de ter sido comprovado que a RM possui alta acurácia para a detecção dos elementos que constituem uma placa vulnerável e que os critérios de instabilidade apresentam considerável impacto clínico, o método permaneceu limitado por algum tempo devido à indisponibilidade da bobina carotídea de superfície utilizada nessa avaliação e ao tempo gasto para a execução do protocolo específico para estudo de placa.
Entretanto, dois estudos realizados em 2013 por Saam et al. e por Narumi et al. conseguiram demonstrar excelente concordância anatomopatológica dos componentes das placas identificados por exames executados com bobina convencional (não de superfície). No método usado por Narumi et al., mediu-se a intensidade de sinal da placa e do músculo esternocleidomastóideo na sequência axial T1 spin eco. Ademais, a relação entre esses dois valores foi empregada para estabelecer a separação entre componentes de fibrose, gordura e hemorragia – abaixo de 1,17, 1,17 a 1,55 e acima de 1,55, respectivamente. A sensibilidade para a separação das placas com componentes de instabilidade (lipídios, necrose e hemorragia) daquelas estáveis (fibrose) alcançou 96% e a especificidade, 100%.
Recentemente, o desenvolvimento de uma nova sequência T1 tridimensional chamada 3D black-blood (3D T1 fast spin eco com flip angle variável) facilitou o estudo das paredes arteriais. Com esse recurso, é possível fazer a aquisição volumétrica de todo o pescoço e conseguir um bom contraste entre os diferentes tecidos em cerca de dez minutos. Ademais, quando realizada em um aparelho de 3 teslas (3 T), mesmo com bobina convencional, a sequência gera uma imagem com alto sinal e resolução que se aproxima das obtidas com as bobinas de superfície, antes feitas por sequências T1 convencionais (não volumétricas), na maioria das vezes em aparelhos de 1,5 T.
Dessa forma, a execução da 3D black-blood T1 em um aparelho 3 T com bobina neurovascular convencional vem permitindo incorporar o estudo da placa à realidade brasileira. Por ser uma sequência volumétrica, elimina o problema do volume parcial que antes existia naquelas com cortes mais espessos, possibilitando identificar, com relativa facilidade, as características de instabilidade das placas. Vale salientar que a aquisição volumétrica permite também o diagnóstico diferencial com dissecção arterial. Como os cortes são finos, pode-se reformatar o vaso em qualquer plano, promovendo melhor distinção entre hemorragias intraplaca, que ocorrem no bulbo carotídeo e têm extensão curta, e as dissecções, que ocorrem acima do bulbo e são longas, com configuração helicoidal.
Como ocorre o processo de desenvolvimento da aterosclerose carotídea
O AVC é a principal causa de morbidade em todo o mundo e cerca de 15% desses eventos ocorrem devido à aterosclerose carotídea, marcada pela presença de placa de ateroma na bifurcação da artéria carótida comum.
A formação de uma placa começa pela lesão do endotélio do vaso, causada pelo fluxo sanguíneo turbulento. O bulbo carotídeo é, por excelência, o local em que esse fluxo se comporta de modo mais complexo, sendo, por isso, o mais acometido pela aterosclerose.
As partículas de colesterol adentram a camada íntima do vaso através das lesões do endotélio e, com o tempo, vão coalescendo. Em resposta a essa alteração na parede vascular, macrófagos são recrutados e fagocitam as partículas de colesterol, transformando-se nas foam cells – as chamadas células espumosas, preenchidas por gordura. Doentes, as células sofrem apoptose, liberando o material fagocitado, que forma o core gorduroso da placa. Tal processo estimula a proliferação das células musculares lisas e leva, consequentemente, a um espessamento das camadas íntima e média do vaso, prejudicando a passagem de oxigênio da luz vascular para o endotélio, o que cria um ambiente de hipóxia.
Esse fenômeno se soma ainda ao fato de os macrófagos recrutados liberarem o fator de crescimento endotelial (VEGF) – e, juntos, ambos estimulam a neoangiogênese a partir dos vasa vasorum. Como essa neovascularização é frágil, causa extravasamento de sangue para dentro da placa quando se rompe. A hemorragia intraplaca tem dois efeitos: um imediato, caracterizado pelo aumento do tamanho da placa, e outro secundário, associado ao estímulo à migração de mais macrófagos, perpetuando todo o processo.
Imagem tridimensional mostra placas carotídeas ateromatosas.
Conclusão
O caso clínico aqui discutido explicita o papel de destaque que a RM teve na avaliação do paciente.
Os estudos vêm mostrando que a identificação de hemorragia e core lipídico nas placas impacta a decisão terapêutica, sobretudo quando as recomendações dos consensos não estipulam de forma clara qual a melhor conduta – pacientes sintomáticos com estenoses entre 50% e 70%, como no caso clínico exposto, e assintomáticos com estreitamentos acima de 70%.
Mesmo nos quadros em que não existe uma estenose grave, há evidências de uma relação de causa e efeito entre a placa vulnerável na RM e o AVC isquêmico, como ilustrado por Freilinger et al., em 2012. Esse grupo avaliou indivíduos sintomáticos com placas carotídeas que promoviam estenoses menores que 50% e identificaram placas com características vulneráveis pela RM apenas do lado sintomático em 37,5% dos casos, não tendo encontrado placas instáveis do lado assintomático. Do mesmo modo, em 2009, Singh et al. constataram aumento no risco de isquemia em pacientes assintomáticos com hemorragia intraplaca, a despeito do grau de estenose, ao mesmo tempo em que observaram que a incidência de evento isquêmico é muito baixa nos indivíduos sem hemorragia intraplaca. A presença de hemorragia ainda se associou a uma degeneração mais acelerada da placa, configurando um fator prognóstico.
O fato é que, apesar de o estudo das características de instabilidade da placa ainda não ter sido incorporado pelos consensos, já é possível, com base nas evidências presentes na literatura, advogar uma aplicação prática desses conceitos. A avaliação da placa por meio de uma sequência volumétrica 3D black-blood T1 em aparelho 3 T com uma bobina convencional parece promissora, uma vez que traz informações relevantes sobre a composição da placa ateromatosa de forma robusta e rápida, sendo possível a sua incorporação na prática clínica para aprimorar a identificação dos pacientes que realmente se encontram em risco.
Assessoria Médica |
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Dra. Germana Titoneli dos Santos |
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