Prevenção da doença pneumocócica invasiva

Imunizantes desenvolvidos para proteger direta e indiretamente contra os sorotipos do pneumococo

Passado, presente e perspectivas futuras dos imunizantes desenvolvidos para proteger direta e indiretamente a população suscetível contra os sorotipos mais importantes do pneumococo


O Streptococcus pneumoniae (pneumococo) é uma das principais causas de doença invasiva, ou DPI (pneumonia bacteriêmica, meningite e sepse), e doença não invasiva/ mucosa (otite média aguda e pneumonia não bacteriêmica) em crianças pequenas, idosos e populações de alto risco.

A vacina polissacarídica 23-valente (PPV23; Pneumovax®, da MSD) foi uma das primeiras a serem comercializadas para lidar com a carga da doença pneumocócica, em 1983. Devido aos seus mecanismos de ação independentes de células T, porém, resulta em respostas insatisfatórias em crianças menores de 2 anos, induz imunidade de curta duração, não tem resposta anamnéstica/de reforço após doses subsequentes (booster) e não gera impacto na colonização nasofaríngea. Apesar disso, tem sido amplamente recomendada há três décadas para a proteção direta de pessoas ≥2 anos de idade com comorbidades específicas que aumentam o risco de DPI.

Com base nas necessidades não atendidas da PPV23 na população pediátrica e no aumento de cepas de pneumococo com suscetibilidade reduzida à penicilina, bem como após o desenvolvimento bem-sucedido da vacina conjugada contra o Haemophilus influenzae tipo b, nos anos 1980, a primeira vacina pneumocócica conjugada (PCV) surgiu na década seguinte, conjugando sete sorotipos capsulares com proteínas carreadoras de forma covalente. Uma década depois, duas PCV de segunda geração incluíram sorotipos adicionais e foram licenciadas com base em dados de imunogenicidade, já em substituição à PCV7: a PCV10 (Synflorix®, da GSK), e a PCV13 (Prevenar®13, da Pfizer), que divergem no número de sorotipos incluídos, concentração de polissacarídeos, métodos de conjugação e proteína carreadora.

As PCV provaram ser seguras e imunogênicas em crianças pequenas e adultos e altamente eficazes contra infecções e prevenção de colonização assintomática de nasofaringe. De 2000 a 2015, seu uso resultou em redução de cerca de 40% nos casos pediátricos de pneumonia pneumocócica em todo o mundo. Não há estudos randomizados e comparativos entre PCV10 e PCV13 disponíveis e revisões sistemáticas não demonstraram diferenças nos efeitos dessas vacinas contra hospitalizações por pneumonia. Em uma revisão sistemática recente, com dados de seis países da América Latina e Caribe, a efetividade de tais imunizantes variou de 7,4% a 20,6% para pneumonia clínica, de 8,8% a 37,8% para pneumonia confirmada radiograficamente, de 13,3% a 87,7% para meningite e de 56% a 83,3% para hospitalização por DPI.

Impacto das vacinas conjugadas em pneumococos resistentes

Os pneumococos multirresistentes tornaram-se cada vez mais prevalentes e estão particularmente associados a colonização e doença em crianças pequenas, configurando uma causa proeminente do consumo de antibióticos em todo o mundo. As PCV representam uma estratégia poderosa para reduzir a resistência bacteriana, impedindo sobretudo a disseminação horizontal de cepas não sensíveis dentro de uma comunidade e diminuindo o uso de antimicrobianos. Dos sorotipos que, com frequência, se associam à resistência, o 19A é o único clinicamente significativo, com prevalência global, altamente multirresistente e nada afetado pela PCV10.

No Brasil, assim como em outros países que não incorporaram a PCV13 ao PNI, uma combinação de expansão clonal de sorotipos não contemplados nas vacinas (NVT) e troca de cápsulas levou ao desenvolvimento de linhagens do sorotipo 19A com alto nível de não suscetibilidade à penicilina. De 2014 a 2019, essa tendência foi acompanhada de um aumento significativo e progressivo na proporção de cepas com maiores pontos de corte de concentração inibitória mínima (CIM) para penicilina e ceftriaxona – impulsionado principalmente pelo sorotipo 19A. Além disso, o percentual de multirresistência atingiu, de 2018 a 2021, alarmantes 75%.

A dinâmica dos pneumococos na era das PCV

A conquista inquestionável das PCV em diferentes cenários de mundo real foi seguida por uma redistribuição de sorotipos no período pós-vacinal tardio – conceito conhecido como substituição de sorotipos – e pela chamada doença residual, ou seja, maior incidência de DPI causada por NVT. Esses fenômenos combinados erodem o impacto inicialmente observado após a introdução de uma vacina pneumocócica conjugada. De forma similar, em crianças brasileiras menores de 5 anos, o sorotipo 19A aumentou de 3,5%, no período pré-PCV10 e no período vacinal precoce, para cerca de 50%, em 2022-2023. Já o sorotipo 3 – considerado peculiar devido à sua cápsula abundante, capacidade de evasão imune e maior virulência – mostrou tendência semelhante, tendo atingido recorde histórico de mais de 15%, em 2023. Quando levados em conta todos os grupos etários, os sorotipos adicionais da PCV13, PCV15 e PCV20 respondem por 35%, 2,2% e 14,5% dos casos de DPI no Brasil, respectivamente.

Novas perspectivas para a vacinação pneumocócica

A fim de aliviar algumas das limitações das PCV atualmente em uso – em particular a questão da substituição de sorotipos e a reduzida imunogenicidade e efetividade contra o sorotipo 3 –, uma nova geração de vacinas pneumocócicas vem sendo desenvolvida. A PCV10-SII (Pneumosil®, do Serum Institute of India) inclui o sorotipo 19A e outros sorotipos causadores de doenças prevalentes na América Latina e Caribe, África e Ásia. Aliando baixo custo sem precedentes e pré-qualificação da OMS, pode se tornar uma opção acessível para países de baixa e média renda.

Vacinas de espectro mais amplo também foram desenvolvidas, com sorotipos associados a uma carga de doença mais significativa em países com programas de vacinação com PCV13 já maduros. É o caso da PCV15 (Vaxneuvance®, da MSD), que contém os sorotipos 22F e 33F e está aprovada e licenciada no Brasil para crianças e adultos, e da PCV20 (Prevenar®20, da Pfizer), que possui outros sorotipos adicionais (8, 10A, 11A, 12F e 15B) e está licenciada para todas as idades em nosso país. Enquanto a PCV20 oferece cobertura mais ampla, a nova técnica de conjugação da PCV15 resulta em respostas imunológicas aprimoradas contra o sorotipo 3 em comparação à PCV13. Por fim, uma nova vacina, a PCV21 (Capvaxive®, da MSD), concebida para adultos, vem sendo comercializada nos EUA desde o início do segundo semestre de 2024 e agrega sorotipos tipicamente identificados e relevantes para indivíduos com 50 anos ou mais, complementando a vacinação feita com PCV13/15/20 nesse grupo etário.

O fato é que, em um cenário de melhorias consistentes na prestação de cuidados de saúde, no nível socioeconômico e nas intervenções de saúde com impacto na mortalidade infantil no Brasil, a PCV10 acrescenta reduções relativamente modestas – embora expressivas, em termos absolutos – de hospitalização e mortalidade por doenças pneumocócicas, sobretudo nas regiões de menor renda do País. No entanto, o progresso vacinal tem sido continuamente corroído pelo fenômeno de substituição de sorotipos. Se administradas a crianças no PNI brasileiro, outras PCV (incluindo aquelas de espectro mais amplo) podem fornecer proteção direta e indireta contra o sorotipo 19A e outros sorotipos adicionais de importância crescente.


Consultoria médica 

Daniel Jarovsky
Consultor médico do Fleury em Imunizações.
[email protected]


Referências 

1. Lancet Glob Health. 2018;6(7):e744–57
2. Clin Microbiol Rev. 2016;29(3):525–52.
3. J Infect Dis. 2010;201(1):32–41.
4. PloS One. 2016;11(12):e0166736.
5. J Pediatr (Rio J). 2023 Mar-Apr;99 Suppl 1(Suppl 1):S46-S56.