Como o uso integrado de diferentes exames contribui para flagrar e tratar as diversas condições por trás dos eventos cerebrais adversos, especialmente a aterosclerose
Principal causa de incapacidade e morte em adultos, o acidente vascular encefálico (AVE) responde por cerca de 68 mil mortes por ano no Brasil, segundo o Ministério da Saúde, o que provoca grande impacto socioeconômico. A prevenção eficaz permanece como a melhor abordagem, sobretudo a primária, já que três quartos dos AVEs não são secundários a outras doenças. Além disso, é essencial caracterizar determinantes de recorrência e mortalidade apo´s um evento isquêmico, uma vez que um segundo episódio piora o prognóstico e aumenta a chance de sequelas.
Os mecanismos mais envolvidos na fisiopatologia do AVE incluem a trombose arterial, particularmente relacionada à doença aterosclerótica, e as cardioembolias. Evidentemente, diversos fatores de risco estão associados a esses eventos – desde os que não podem ser controlados até os que podem ser diagnosticados e tratados, como a hipertensão arterial, o diabetes, as arritmias e o tabagismo.
Uma vez que as consequências desses fatores evoluem silenciosamente, a avaliação de cada um é essencial na prevenção dos AVEs, sobretudo a pesquisa de placas ateromatosas e a determinação do grau de estenose por elas causado. Afinal, a presença de uma lesão aterosclerótica maior que 70% na carótida interna extracraniana ou no bulbo carotídeo, por exemplo, tem sido associada a aumento do risco de AVE. A seguir, veja como os diferentes métodos diagnósticos contribuem nesse contexto.
Avaliação dos vasos cervicais
Os estudos comparativos entre métodos diagnósticos na avaliação da ateromatose do sistema carotídeo consideram para screening a ultrassonografia com Doppler das artérias carótidas cervicais, que tem papel fundamental tanto para quantificar e caracterizar a aterosclerose quanto para estratificar o risco cardioneurovascular. A informação precisa sobre as dimensões da placa é necessária para o acompanhamento da evolução da doença, já que o maior envolvimento da luz do vaso, com o passar do tempo, pode levar à estenose, evidenciada pela maior velocidade do sangue no segmento estreitado.
Uma vez caracterizada a placa ateromatosa, é essencial analisar sua morfologia, pois uma estenose luminal significativa prediz apenas um em cada quatro AVEs em pacientes sintomáticos e um em cada dez nos assintomáticos. Já as informações adicionais, como fibrose e calcificações, menor ecogenicidade e irregularidade da superfície, com maior risco de embolização arterioarterial, podem prever complicações inesperadas. O estudo com Doppler consegue ainda identificar oclusão luminal, que, contudo, requer confirmação por método angiográfico.
A estratificação da estenose luminal foi estabelecida em 2003 na Society of Radiologists in Ultrasound Consensus Conference, com base nos dados do North American Symptomatic Carotid Endarterectomy Trial, que observou redução do risco de AVE de 17% nos pacientes sintomáticos sem lesões distais ou aneurismas, com estenose superior a 70%, que foram submetidos à endarterectomia ou colocação de stent. Esse valor caiu para 5,9%, sendo ainda significativo, em pacientes assintomáticos com estenose superior a 60%.
A seleção dos indivíduos assintomáticos para revascularização carotídea deve ser guiada por uma avaliação das comorbidades e expectativa de vida, bem como por outros fatores individuais, incluindo discussão aprofundada dos riscos e benefícios do procedimento. Embora o rastreamento populacional para estenose carotídea assintomática não seja recomendado, pessoas com estreitamentos entre 50% e 70% podem se beneficiar do controle rigoroso dos demais fatores de risco envolvidos e do seguimento evolutivo precoce da lesão.
Avaliação dos vasos intracranianos
Durante muito tempo as doenças arteriais intracranianas foram negligenciadas por diversas razões, entre elas a ausência de métodos diagnósticos não invasivos. Hoje, porém, as técnicas angiográficas por tomografia computadorizada (angio-TC) e ressonância magnética (angio-RM) sobressaem porque suas imagens têm se aproximado cada vez mais das de angiografia com subtração de imagens digitais, ainda considerada o padrão-ouro.
A angio-TC emprega equipamento multislice para obter imagens sequenciais da região de interesse com contraste iodado intravenoso. Nesse exame, o planejamento temporal é importante, visto que a aquisição ocorre de forma ultrarrápida e deve coincidir com o momento de maior opacificação dos vasos. A reconstrução tridimensional pelas técnicas de projeção de intensidade máxima (MIP) e a reconstrução de superfície ou de volume caracterizam vasos cervicais e do polígono de Willis e seus ramos principais com boa resolução e conspicuidade. O exame consegue avaliar as placas fibrosas e calcificadas e, sob estudo direcionado, aponta ainda gordura e fibrose.
US com Doppler colorido das artérias carótidas demonstra placa fibrocalcificada com sombra acústica posterior, determinando importante estenose da emergência da artéria carótida interna direita adjacente, com significativa elevação das velocidades de fluxo
ARQUIVO FLEURY
Angio-TC das artérias cervicais com reconstruções MIP, na imagem à esquerda, e VR, na imagem à direita, concordante com o exame ecográfico, confirma a estenose arterial, estimada em 85% da luz da artéria carótida interna
ARQUIVO FLEURY
A angio-RM, por sua vez, serve aos estudos estruturais, como o do parênquima encefálico, determinando a resolução espacial e fazendo a avaliação em três planos, além de possibilitar o uso concomitante de técnicas funcionais como difusão, perfusão, ativação cerebral e espectroscopia. É indicada na caracterização mais aprofundada da lesão, na suspeita ou no estadiamento de doença vascular oclusiva com localização da estenose, nas malformações arteriovenosas intracranianas, na pesquisa de aneurismas cerebrais e na avaliação da dissecção arterial, seja traumática, seja espontânea. Para completar, configura o método de escolha quando há limitações ao procedimento invasivo ou contraindicação à angiografia digital ou ao uso do contraste iodado.
O estudo com Doppler transcraniano e teste de vasorreatividade comprova os sinais de estenose hemodinamicamente significativa à direita, com circulação colateral através da artéria comunicante anterior e da artéria oftálmica, além de diminuição da resposta vasomotora cerebral à direita, identificada pela redução do índice de apneia (BHI)
Outro exame bastante útil é o Doppler transcraniano (DTC), que, por meio da detecção de aumentos segmentares da velocidade do fluxo sanguíneo, secundários à redução do diâmetro arterial, faz a triagem de estenoses em pacientes com risco de doença aterosclerótica intracraniana. Além disso, pela via transorbitária, o DTC identifica estenoses proximais (M1) da artéria cerebral média e da região do sifão carotídeo. Já o estudo da artéria basilar pela janela suboccipital apresenta maior chance de resultados falso-negativos, principalmente em seu segmento distal.
A associação do DTC a outros métodos não invasivos, como a angiografia por RM, não só confere maior sensibilidade e especificidade ao diagnóstico das estenoses intracranianas, como também esclarece dúvidas à angio-RM, a exemplo da quantificação do grau de estenose em regiões de difícil visualização – caso do sifão carotídeo. Nos pacientes com estenose carotídea grave, o estudo da circulação intracraniana com DTC e teste de vasorreatividade auxilia o médico-assistente na decisão entre o tratamento clínico e o intervencionista cirúrgico ou endovascular.
Abordagem diagnóstica integrada |
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As vantagens da análise conjunta dos exames não invasivos podem ser exemplificadas no caso de uma mulher de 59 anos, diabética e hipertensa, que apresentou quadro compatível com ataque isquêmico transitório 45 dias antes da avaliação neurovascular. O estudo com Doppler colorido demonstrou placa fibrocalcificada com sombra acústica posterior, determinando importante estenose da emergência da carótida interna direita adjacente. Para melhor investigação diagnóstica, a paciente foi submetida a uma angio-TC das artérias cervicais e intracranianas, que, em avaliação multiplanar e reconstrução em 3D, confirmou a estenose arterial, estimada em 85% da luz da carótida interna, mas não mostrou sinais de comprometimento parenquimatoso cerebral. O Doppler transcraniano com teste de vasorreatividade ratificou a estenose hemodinamicamente significativa, associada à presença de circulação colateral através das artérias comunicante anterior e oftálmica, além da redução da resposta vasomotora cerebral à direita, identificada pela diminuição do índice de apneia (BHI), reforçando, assim, a necessidade clínica e hemodinâmica de tratamento cirúrgico ou endovascular dessa estenose sintomática. |
Arritmias
Responsável por, pelo menos, um em cada cinco AVEs, a fibrilação atrial (FA), mesmo sem doença valvar cardíaca, merece destaque. Além de possuírem um risco 4-5 vezes maior de AVE, os portadores dessa arritmia que têm acidentes vasculares encefálicos apresentam maiores déficits neurológicos na admissão, na alta e após seis meses do evento, em comparação com AVEs de outras etiologias.
Estimar o risco de AVE em pacientes com FA é crucial para avaliar os benefícios e os riscos da terapia antitrombótica de longo prazo. Na prática, a estratificação baseia-se na presença de alguns fatores, sendo feita com o uso de escores como o CHADS, que inclui insuficiência cardíaca congestiva, HAS, idade >75 anos, DM ou AVE prévio, e, mais recentemente, o CHADS-VASC, que, além dos itens anteriores, incorpora sexo feminino, doença vascular arterial e idade entre 65 e 74 anos, considerados agravantes para AVE em pacientes com FA.
A investigação deve integrar exames para detectar alterações do ritmo cardíaco (eletrocardiograma de repouso, holter de 24 horas ou loop recorder e teste ergométrico), para avaliar a anatomia e a morfologia cardíacas (ecocardiograma transtorácico/esofágico e ressonância magnética) e para pesquisar doença arterial coronariana (DAC) como possível etiologia da arritmia (além do teste ergométrico, cintilografia de perfusão miocárdica, ecocardiograma de estresse e tomografia de coronárias).
A identificação e o tratamento de outras possíveis fontes cardíacas de embolia também precisam ser levados em conta, haja vista que a cardiogênica responde por cerca de 20% dos eventos isquêmicos cerebrais. Dentre elas, destacam-se os trombos atriais e ventriculares, os tumores cardíacos primários, a endocardite infecciosa, as próteses valvares, as cardiomiopatias dilatadas e a DAC.
Hipertensão
A hipertensão arterial sistêmica (HAS) representa um fator de risco independente, linear e contínuo para eventos cárdio e cerebrovasculares, de forma que a triagem regular e o tratamento adequado, incluindo modificações do estilo de vida e terapêutica farmacológica, quando indicada, são recomendados.
A estratificação do risco individual baseia-se nos níveis de pressão arterial (limítrofe, estágios 1 e 2), bem como na presença de outros fatores de risco, de lesão em órgãos-alvo e de doença cardiovascular.
O diagnóstico de HAS requer medidas repetidas em diferentes dias, não sendo suficientes poucas aferições casuais. Algoritmos baseados na V Diretriz Brasileira de Hipertensão Arterial consideram a monitoração ambulatorial da pressão arterial (Mapa), feita durante 24 horas, e a monitoração residencial da pressão arterial (MRPA), que resulta na média de, pelo menos, 12 medidas, ferramentas importantes na investigação de suspeita de HAS. Assim, preconizam o uso desses métodos para esclarecimento diagnóstico, identificação da hipertensão do avental branco e avaliação terapêutica.
De acordo com o Eighth Joint National Committee, a meta terapêutica deve ser a de atingir níveis pressóricos inferiores a 150/90 mmHg em pacientes acima de 60 anos e inferiores a 140/90 mmHg nos demais, inclusive naqueles com doença renal crônica ou diabetes mellitus (DM). Vale salientar que o tratamento anti-hipertensivo reduz a incidência de AVE em 35% a 44%.
Diabetes
É reconhecido que pessoas com DM têm tanto um aumento da suscetibilidade à aterosclerose quanto da prevalência de fatores de risco pró-aterogênicos, como a HAS e a dislipidemia. Assim, o rastreamento da doença está indicado para todos os indivíduos com IMC >25 e um ou mais fatores de risco para o DM (veja quadro abaixo) ou, na ausência destes, a partir dos 45 anos de idade.
A investigação de DM pode ser realizada pela glicemia de jejum, pelo teste oral de tolerância à glicose e, mais recentemente, pela hemoglobina glicada, dosada por método certificado pelo National Glycohemoglobin Standardization Program. De acordo com a Associação Americana de Diabetes, uma glicemia de jejum =126 mg/dL ou um resultado =200 mg/dL duas horas após sobrecarga oral com 75 g de glicose ou, ainda, uma hemoglobina glicada =6,5%, quando confirmados em uma segunda ocasião, fecham o diagnóstico. Na presença de sintomas, uma glicemia de 200 mg/dL, coletada a qualquer hora do dia, basta para diagnosticar a doença.
Fatores de risco para o DM |
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Dislipidemia
Diversos estudos apontam maior risco de eventos adversos cardíacos e cerebrais isquêmicos diante de hipercolesterolemia, tais como o Multiple Risk Factor Intervention Trial, que indicou uma relação positiva entre risco relativo de morte por AVE não hemorrágico e níveis de colesterol em mais de 350 mil homens, e o Women’s Health Study, que também encontrou associação entre colesterol elevado e risco aumentado de AVE isquêmico em quase 28 mil mulheres. Na outra ponta, a maioria das pesquisas demonstra relação inversa entre níveis de HDL e risco de AVE. Em uma revisão com cinco estudos prospectivos, a cada aumento de 10 mg/dL no HDL, encontrou-se redução do risco de AVE entre 11% e 15%. Já a relação entre triglicérides e possibilidade de AVE não é consistente na literatura.
A terapêutica com estatinas diminui sobremaneira o risco de AVE em pacientes com doença aterosclerótica ou risco cardiovascular elevado. Em uma metanálise com 170 mil indivíduos, observou-se redução do risco do primeiro AVE isquêmico não fatal em 23% a cada 1 mmol/L (39 mg/dL) a menos no LDL. Entretanto, não houve efeito significativo da estatina sobre a mortalidade por AVE.
Para a prevenção, os guidelines da American Heart e da American Stroke Associations sugerem triagem de dislipidemia, com perfil de lipoproteínas a cada cinco anos em adultos. A frequência da dosagem deve se intensificar se houver dois fatores de risco para doen¬ça coronariana, incluindo tabagismo, HAS, LDL alto HDL <40 mg/dL ou limítrofe e idade >45 anos para homens e >65 anos para mulheres.
Assessoria Médica |
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Dr. André Paciello Romualdo [email protected] Dr. Antonio Carlos Martins Maia Junior [email protected] Dr. Antonio J. Rocha [email protected] Dr. Aurélio Pimenta Dutra [email protected] Dr. Ibraim Masciarelli Francisco Pinto [email protected] Dra. Ivana Antelmi [email protected] Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra [email protected] Dra. Paola Emanuela P. Smanio [email protected] Dr. Renato Hoffmann Nunes [email protected] Dr. Valdir A. Moisés [email protected] Dra. Viviane Zorzanelli Rocha Giraldez [email protected] |
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