Como a associação de métodos diagnósticos com a avaliação clínica pode ajudar a esclarecer e tratar a mais comum das disfunções do assoalho pélvico
Como a associação de métodos diagnósticos com a avaliação clínica pode ajudar a esclarecer e tratar a mais comum das disfunções do assoalho pélvico
O Caso
Paciente do sexo feminino, 64 anos, relatava perda de urina iniciada cinco anos antes e sensação de bola na vagina havia três anos, sempre aos esforços, além de urgeincontinência. Referia seis micções diurnas e três noturnas, três trocas de forro vaginal por dia e ocasionais perdas de fezes líquidas, além de constipação intestinal. Era tabagista, tratava osteoporose com carbonato de cálcio e tinha realizado hemorroidectomia em 2011.
Quanto aos antecedentes ginecológicos e obstétricos, a menarca havia sido aos 13 anos e a menopausa, aos 45. Não fazia uso de terapia hormonal e não mantinha atividade sexual naquele momento. Teve três gestações, com três partos normais – o maior recém-nascido pesou 3.600 g.
O exame dinâmico dos órgãos genitais externos mostrou que se tratava de um prolapso genital nos estágios IIIBa, IICeIIBp (veja discussão). A paciente foi, então, encaminhada para avaliação subsidiária com ressonância magnética, urodinâmica e exames de motilidade anorretal.
Referências utilizadas na classificação POP-Q
Entenda a disfunção do assoalho pélvico |
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A condição acomete mulheres principalmente após a menopausa e inclui uma variedade de sinais e sintomas provenientes de distopias genitais, causadas pela flacidez da musculatura pélvica e da fáscia endopélvica. Pode haver prolapsos uterino e retal, cistoceles, retoceles, enteroceles, hipotonia anal e descida perineal excessiva, além de alterações miccionais e anorretais. O tipo mais comum de disfunção do assoalho pélvico é o prolapso genital, que afeta até 50% das mulheres multíparas e tem diagnóstico clínico, razão pela qual a anamnese deve ser pormenorizada, com ênfase nas queixas genitais, sexuais, urinárias e intestinais, bem como na história obstétrica, nos hábitos alimentares e na atividade física. Deve-se realizar exame minucioso de toda a musculatura pélvica, períneo, septo retovaginal e tônus dos músculos do ânus. A manobra de Valsalva e o esforço evacuatório contribuem para a análise da descida do períneo. Mesmo com o exame clínico detalhado, avaliações subsidiárias possibilitam um melhor estudo das estruturas prolapsadas, da integridade dos músculos do assoalho pélvico e das disfunções urinárias e intestinais associadas. Desse modo, a mulher com prolapso genital deve ser avaliada, do ponto de vista diagnóstico, por equipe integrada multidisciplinar que inclua ginecologista, urologista, radiologista e proctologista. Essa abordagem permite guiar o tratamento para minimizar os sintomas e melhorar a qualidade de vida da paciente. |
A Discussão
Para diagnosticar e classificar o prolapso
Além da história clínica, a avaliação ginecológica envolve o exame físico feito por compartimentos, buscando separadamente a presença de procidência da parede vaginal anterior, da posterior ou do ápice vaginal.
A classificação POP-Q, sigla, em inglês, da expressão PelvicOrganProlapseQuantification, utiliza o anel himenal como referência para quantificação do prolapso e define seis pontos que refletem a posição dos compartimentos vaginais: Aa e Ap, situados 3 cm para dentro do anel himenal; Ba e Bp, que representam os pontos de maior prolapso da parede vaginal anterior e posterior; C, localizado na região mais proximal do colo uterino ou da cúpula vaginal, nas histerectomizadas; e D, equivalente à inserção dos ligamentos uterossacros.
Por fim, a avaliação inclui as medidas do hiato genital (HG), que vai da uretra à fúrcula vaginal, do corpo perineal (CP), que vai da fúrcula vaginal ao ânus, e do comprimento vaginal total (CVT), todas com a paciente em repouso.
A classificação POP-Q é descrita em forma de tabela e seguida pelo estadiamento do prolapso genital, que, no caso da paciente estudada nesta oportunidade, mostrou se tratar dos estágios IIIBa, IIC e IIBp.
Para esclarecer as disfunções miccionais
A indicação do estudo urodinâmico para mulheres que serão submetidas à correção cirúrgica de prolapso de órgãos pélvicos tem sido debatida ao longo das últimas décadas. Apesar de suas limitações, o exame representa o melhor recurso disponível para avaliar o funcionamento vesicoesfincteriano e para planejar o tratamento das diversas disfunções miccionais que coexistem com os prolapsos genitais. Ademais, consegue apontar hiperatividade detrusora em mulheres com prolapsos de alto grau, que pode atingir taxas de até 30%.
A redução do prolapso, aliás, é uma etapa fundamental dentro do processo técnico de execução da urodinâmica, uma vez que a condição gera uma obstrução infravesical, quer pelo desenvolvimento de uma angulação na uretra, quer pelo efeito compressivo extrínseco dos órgãos prolapsados contra a parede uretral. Tanto é assim que, no Care, um dos mais importantes estudos prospectivos sobre incontinência urinária, as perdas urinárias foram identificadas em apenas 3,7% das mulheres com prolapsos não reduzidos, percentual que subiu para 19% quando aplicada a redução no mesmo grupo de pacientes.
Apesar da falta de consenso, o fato é que a maioria dos profissionais que atuam em Uroginecologia aceita que a presença de incontinência urinária ao exame urodinâmico prévio à cirurgia torna recomendável a correção da incontinência no mesmo ato operatório.
Na paciente avaliada, o estudo urodinâmico mostrou tanto incontinência urinária de esforço como hiperatividade do detrusor, além de esvaziamento vesical incompleto. A incontinência de esforço observada ocorreu com baixa pressão intravesical, sugerindo, portanto, defeito esfincteriano uretral.
Para estudar a anatomia e a dinâmica do assoalho pélvico
A ressonância magnética (RM) é uma excelente modalidade diagnóstica para a avaliação do assoalho pélvico e direcionamento do tratamento clínico ou cirúrgico, pois combina imagens de elevada resolução anatômica com o estudo dinâmico, sem uso de radiação ionizante nem de contraste e de forma não invasiva. O exame identifica e classifica os prolapsos, quantifica o descenso perineal e verifica a integridade da musculatura pélvica, possibilitando o estudo objetivo dos três compartimentos (anterior, médio e posterior) de uma única vez.
A abordagem multicompartimental é fundamental na prevenção da recidiva dos sintomas, uma vez que a correção de um defeito isolado pode estar associada a queixas recorrentes em 10% a 30% das pacientes. Além disso, existe a possibilidade de o exame físico subestimar a identificação do sítio do prolapso, ou mesmo falhar nessa análise, em 45% a 90% dos casos.
O protocolo da ressonância de assoalho pélvico inclui não somente sequências anatômicas, mas também sequências dinâmicas, obtidas durante as fases de repouso, contração, Valsalva e evacuação (defecorressonância).
A RM do presente caso mostrou pequena cistocele anterior e sinais de hipermobilidade uretral, além de prolapso uterino, com colo aproximando-se do introito vaginal, e pequena retocele anterior.
RM no plano sagital Fiesta, obtida durante o repouso. A bexiga, o útero e o reto estão localizados acima da linha pubococcígea (traço azul).
ARQUIVO FLEURY
RM no plano sagital Fiesta, obtida durante a manobra de Valsalva. A bexiga, o útero e a junção anorretal estão agora localizadas abaixo da linha pubococcígea. Observa-se pequena cistocele (seta amarela), prolapso uterino, com o colo aproximando-se do introito vaginal (seta vermelha), e pequena retocele anterior (*).
ARQUIVO FLEURY
Ultrassonografia anorretal tridimensional.
ARQUIVO FLEURY
Para verificar o funcionamento do aparelho esfincteriano anal
Além da anamnese e do exame físico, vários métodos diagnósticos têm importância para a completa avaliação proctológica, os quais compreendem da anuscopia e da manometria anorretal até a ecodefecografia.
A eletromiografia e o tempo de latência do nervo pudendo podem demonstrar a denervação do assoalho pélvico, que participa da gênese da disfunção do assoalho pélvico. Já a manometria anorretal avalia objetiva e quantitativamente a musculatura esfincteriana, analisando o tônus e a extensão do esfíncter anal interno e externo e as alterações da sensibilidade e da capacidade do reto. Também consegue mensurar o reflexo inibitório retoanal e a sensibilidade, a capacidade e a complacência retal, os quais constituem dados de grande relevância na abordagem das lesões do assoalho pélvico.
A ultrassonografia anorretal, por sua vez, estuda as lesões anatômicas da musculatura esfincteriana anal e do corpo perineal. A ecodefecografia, que pode fazer parte do exame, está indicada na avaliação da dinâmica da defecação, à medida que identifica as alterações que aparecem nessa fase, tais como anismo, invaginação interna do reto, enteroceles, cistoceles, sigmoidoceles e também retoceles.
No caso avaliado, a anuscopia apontou hemorroidas internas de grau II/III, plicomas em borda anal, retocele anterior e hipotonia anal. Já a manometria anorretal mostrou hipotonia leve do músculo esfíncter externo do ânus, o que ocorre em pacientes com constipação intestinal crônica, nos quais o esforço evacuatório causa lesão por tração do nervo pudendo – responsável pela inervação da musculatura esfincteriana anal externa –, com consequente hipotonia. O exame ainda evidenciou leve diminuição da sensibilidade retal, situação que explica a constipação da paciente, que não percebia a chegada de fezes na ampola de maneira normal, retardando a evacuação. Não houve alterações do aparelho esfincteriano à ultrassonografia endoanal tridimensional.
Conclusão
As disfunções de assoalho pélvico ocasionam uma série de alterações anatômicas, funcionais e emocionais, envolvendo as funções sexual, urinária e anorretal. Portanto, a avaliação global, multidisciplinar e integrada da mulher com essas queixas permite ao médico-assistente empregar todo o seu conhecimento no melhor tratamento disponível, de acordo com o diagnóstico obtido, a fim de restaurar as funções do modo mais completo possível para que a paciente recupere sua qualidade de vida.
Assessoria Médica |
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Gastroenterologia Dr. Ulysses Ribeiro [email protected] Ginecologia Dra. MarairGracio Ferreira Sartori [email protected] Imagem Dra. Luciana Pardini Chamie [email protected] Motilidade Digestiva Dr. Sanzio Santos Amaral [email protected] Urologia Dr. José Carlos Cezar IbanhezTruzzi [email protected] |
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