Puberdade precoce | Revista Médica Ed. 1 - 2015

Manejo da puberdade precoce pede combinação de exame físico, dosagens hormonais e métodos de imagem

Embora o diagnóstico seja clínico, a associação de dosagens hormonais com exames de imagem confirma o quadro e esclarece sua etiologia


O CASO

Paciente do sexo feminino, com idade cronológica de 6 anos e 4 meses, foi encaminhada ao endocrinologista por história de aumento de mamas iniciado alguns meses antes. A mãe negou o aparecimento de pelos, história de sangramento ou uso de medicamentos. Ao exame físico, apresentou estatura de 124,1 cm, peso de 23,5 kg, desvio-padrão da altura de +1,6, idade estatural de 7 anos e 10 meses, mamas em estágio puberal Tanner 3 e pelos em estágio puberal Tanner 1. Diante do quadro clínico de puberdade precoce, o médico pediu dosagens hormonais, ultrassonografia pélvica e radiografia de mão e punho para determinação de idade óssea (IO). 




Por dentro da puberdade precoce

Período que corresponde ao desenvolvimento dos caracteres sexuais secundários, a puberdade ocorre geralmente entre 8 e 13 anos de idade, nas meninas, e dos 9 aos 14 anos, nos meninos. O processo normal inicia-se a partir da maturidade do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal e do aumento da produção de androgênios pelas glândulas suprarrenais. Nas meninas, a telarca vem primeiro, seguida da pubarca, do aceleramento do crescimento linear e da menarca, que ocorre cerca de dois anos após o desenvolvimento do broto mamário. Já nos meninos, há primeiramente o aumento dos testículos (gonadarca), acompanhado pela pubarca e pelo crescimento linear.


A puberdade é considerada precoce quando se inicia antes dos 8 anos, nas meninas, e antes dos 9 anos, nos meninos, sendo classificada de três maneiras: puberdade precoce dependente de gonadotrofinas (PPDG), ou central; puberdade precoce independente de gonadotrofinas (PPIG), ou periférica; e em variantes normais do desenvolvimento puberal, que constituem um processo benigno e autolimitado, no qual a telarca, a pubarca ou a menarca podem estar desenvolvidas isoladamente, sem que haja outros sinais de maturação sexual. 


Cerca de 5% da população geral entra na puberdade antes ou depois do período normal. O gênero e a origem étnica influenciam no desencadeamento da precocidade puberal – a prevalência nas meninas é cerca de 10 a 20 vezes maior do que nos meninos e os afrodescendentes tendem a se tornar púberes antecipadamente.


A disfunção tem, como maior consequência clínica, a baixa estatura na idade adulta, caso o tratamento não seja instituído no momento adequado. Diante da suspeita de puberdade precoce central, é imprescindível proceder a uma investigação cuidadosa de sua etiologia, uma vez que, ainda que a maior parte dos casos seja idiopática, 10% deles estão associados com doenças do sistema nervoso central. Na prática clínica, observa-se que, quanto mais cedo o processo se manifestar, maior a chance de existirem alterações orgânicas associadas. 


Investigação de disfunção puberal precoce

 

PPDG: puberdade precoce dependente de gonadotrofinas

PPIG: puberdade precoce independente de gonadotrofinas

* Valores de LH mensurados por ensaio eletroquimioluminométrico

 

Conheça as causas do distúrbio
Central (dependente de gonadotrofinas)
  • Idiopática
  • Genética (mutações ativadoras nos genes KISS1 e KISS1R)
  • Doenças do sistema nervoso central:
    • Hamartomas hipotalâmicos
    • Tumores: astrocitomas, craniofaringiomas, gliomas, ependimomas, neurofibromas e disgerminonas
    • Infecções e processos inflamatórios do sistema nervoso central
    • Outras: cisto suprasselar, cisto aracnóideo, hidrocefalia, displasia septo-óptica, meningomielocele e malformações vasculares
    • Exposição prolongada a andrógenos
Periférica (não dependente de gonadotrofinas)
  • Uso externo de esteroides sexuais
  • Cisto ovariano
  • Tumor ovariano, adrenal ou testicular
  • Hiperplasia adrenal congênita
  • Síndrome de McCune-Albright
  • Hipotiroidismo primário


Raio X para determinação de idade óssea

À esquerda, radiografia da menina mostra que as epífises das falanges estendem-se por toda a superfície metafisária adjacente, com epífises distais mais retangulares e entalhamento da epífise da falange proximal do polegar. O exame equivale a uma IO de 8 anos e 10 meses. À direita, exame comparativo de IO de 6 anos e 10 meses.

ARQUIVO FLEURY



A DISCUSSÃO

Os dados clínicos e hormonais da menina avaliada, assim como as imagens radiológicas e ultrassonográficas, são compatíveis com o diagnóstico de puberdade precoce central. As dosagens basais aumentadas de hormônio luteinizante (LH) indicam ativação do eixo gonadotrófico e o valor elevado de estradiol confirma o estímulo gonadal resultante da ativação do eixo. É importante lembrar que mesmo a vigência de níveis baixos de estradiol não afasta esse diagnóstico, o que não ocorre em meninos porque a concentração baixa de testosterona já exclui tal hipótese. A diferença deve-se ao fato de o hormônio masculino ter valores mais estáveis, enquanto o feminino costuma oscilar mais nessa etapa da vida. 


Papel dos exames complementares na investigação

Raios X para determinação de idade óssea

A radiografia de mão e punho da paciente demonstrou um avanço de aproximadamente dois anos em relação à sua idade cronológica, o que evidencia a ação dos esteroides sexuais na maturação óssea. Esse exame geralmente é realizado no lado esquerdo, por se tratar do não dominante, e a imagem pode ser analisada pelo método de Tanner-Whitehouse ou pelo método de Greulich e Pyle – o mais usado –, que se baseia na sequência de aparecimento e na morfologia dos núcleos de ossificação de falanges, metacarpos, ossos do carpo, rádio e ulna. Na análise, os núcleos de ossificação das epífises distais merecem maior peso na definição da idade, seguidos de falanges médias e proximais, metacarpo, rádio e ulna. 


Os ossos do carpo são menos representativos na determinação final da idade óssea, pois apresentam grande variação no decorrer de sua maturação, muitas vezes impossibilitando a classificação adequada, além de não causarem impacto significativo para definir a altura do indivíduo, que é o grande objetivo do tratamento para os distúrbios de crescimento.


Ultrassonografia pélvica

O exame é indicado para a pesquisa de sinais de estímulo hormonal no útero e nos ovários, bem como de cistos ou, eventualmente, de tumores ovarianos. A morfologia, as dimensões uterinas e a presença de eco endometrial configuram os parâmetros mais específicos para essa investigação. Aspectos como comprimento uterino acima de 4,5 cm, espessura do corpo maior que 1,0 cm, presença de eco endometrial, volume do útero usualmente superior a 3,0 cm³ e predomínio do corpo em relação ao colo sugerem fortemente resposta a estímulo hormonal, como observado no ultrassom pélvico da menina em estudo.


Já a avaliação ovariana mostra-se menos específica que a uterina. Em geral, o ovário pré-púbere é menor que 1,5 cm³ até os 8 anos de idade e pode chegar a 2,0 cm³ após essa faixa etária, atingindo um volume em torno de 3,0 cm³ no período pré-menarca imediato e acima de 4,0-5,0 cm³ na puberdade. O aspecto multifolicular, com, pelo menos, seis folículos bilaterais acima de 4,0 mm, conforme visto no caso em discussão, é descrito como sinal de estímulo hormonal. Por outro lado, a presença de folículos até 9,0 mm em menor número não deve ser valorizada, pois essas formações estão presentes nas meninas desde o nascimento, com medidas que variam de 1,0 mm a 17 mm.


Compare o útero infantil (no alto), sem sinais de estimulação, com o estimulado, da paciente: neste, a linha endometrial fica bem visível e há aumento da relação corpo/colo e das dimensões. Acima, observe ainda o ovário multifolicular


Ressonância magnética

Continuando a investigação etiológica do caso em discussão, optou-se ainda pela realização da ressonância magnética (RM) da região hipotálamo-hipofisária, considerada o método de imagem mais apropriado para afastar as causas orgânicas de puberdade precoce relacionadas ao sistema nervoso central. Na paciente em questão, a RM evidenciou uma pequena lesão nodular no hipotálamo, sem significativo efeito expansivo ou impregnação pelo gadolínio, cuja topografia e características de imagem são compatíveis com um hamartoma hipotalâmico. Trata-se de uma malformação congênita, sem origem neoplásica, decorrente de heterotopia de tecido cerebral, tipicamente localizada entre os corpos mamilares e a haste hipofisária (hamartoma do túber cinéreo). É composta de tecido neural desorganizado e possui dimensões variadas e histologia parecida com a do hipotálamo. Aos estudos de RM, apresenta sinal semelhante ao córtex em T1 e sinal variável (isointenso ou elevado) em T2 e Flair.


Existem dois padrões de imagem, com direta correlação clínica. Os chamados sésseis, usualmente maiores que 10 mm e de localização central (intra-hipotalâmicos), associam-se a manifestações epilépticas com crises gelásticas, focais ou tônico-clônicas. Já os denominados pedunculados, como o do caso apresentado, localizam-se em região para-hipotalâmica e, em geral, crescem para a cisterna suprasselar ou interpeduncular, cursando com precocidade puberal. Segundo a literatura, os hamartomas representam a etiologia de puberdade precoce dependente de gonadotrofinas em 2% a 8% dos casos. Estudos imuno-histoquímicos revelam a presença de neurônios positivos para gonadotrofina coriônica em alguns hamartomas, sugerindo que tais células funcionam como fontes heterotópicas do hormônio.



Imagem sagital em T1 demonstra pequena lesão nodular sólida pedunculada no hipotálamo (seta), posterior à haste hipofisária, com isossinal ao parênquima cerebral, sem significativo efeito expansivo sobre as estruturas adjacentes.


Na imagem sagital em T1 após a administração do gadolínio intravenoso, não há expressiva impregnação da lesão, aspecto usual dos hamartomas hipotalâmicos. Note que a haste e o parênquima hipofisário apresentam-se intensamente impregnados.


CONCLUSÃO

O diagnóstico de puberdade precoce é clínico, mas os exames laboratoriais definem se o processo depende ou não da ação das gonadotrofinas nas gônadas. A investigação diagnóstica começa com as dosagens dos níveis basais de LH, FSH, sulfato de de-hidroepiandrosterona e estradiol, nas meninas, ou de testosterona, nos meninos, seguidas de radiografia para determinação de idade óssea e ultrassonografia pélvica (somente para o sexo feminino). O teste de estímulo com hormônio liberador de LH só deve ser pedido diante da clínica sugestiva de puberdade precoce, ou seja, na presença de caracteres sexuais secundários e quando houver dúvidas nos valores basais de LH e de testosterona ou estradiol.


A paciente em estudo coincide com os 10% de meninas com puberdade precoce dependente de gonadotrofinas e com alterações orgânicas que justificam a precocidade da ação do GnRH e do LH. Em crianças com hamartoma hipotalâmico, bem como em casos semelhantes de puberdade precoce central, o tratamento requer o uso de análogos de GnRH, para o bloqueio do processo puberal, e de anticonvulsivantes, para o controle da epilepsia. A intervenção cirúrgica fica reservada para grandes hamartomas ou para sintomas neurológicos de difícil controle ou, ainda, nas raras situações de crescimento da lesão.


ASSESSORIA MÉDICA
Endocrinologia
Dra. Maria Izabel Chiamolera
[email protected]
Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra
[email protected]
Dra. Rosa Paula Mello Biscolla
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Neuroimagem
Dr. Antonio Carlos M. Maia Jr.
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Dr. Antonio José Rocha
[email protected]
Radiologia
Dr. Shri Krishna Jayanthi
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