Rastreamento do câncer de mama: onde estamos?

Mamografia a partir de 40 anos reduz mortalidade pela doença, bem como extensão e morbidade do trata

O câncer de mama é o tumor maligno mais comum e a principal causa de morte por neoplasias em mulheres no Brasil e no mundo. A detecção precoce no rastreamento mamográfico e a terapia adequada são os pilares para reduzir a mortalidade pela doença.

 

População geral

O Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR), a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) e a Febrasgo recomendam o rastreamento mamográfico anual a partir dos 40 anos1. Essa diretriz visa a maximizar o benefício na redução da mortalidade pela doença. Estudos controlados randomizados e observacionais mostraram redução de óbitos em mulheres de 40 a 74 anos que realizaram a mamografia periodicamente. Um estudo sueco recente apontou diminuição de 41% na mortalidade2 e os resultados finais do ensaio controlado randomizado Age Trial, para mulheres de 39 a 49 anos, indicaram uma queda de 25% na mortalidade nessa faixa etária3. Outro benefício da detecção precoce de pequenos cânceres com a mamografia é a redução na extensão e na morbidade do tratamento – menos mastectomias e quimioterapias. Isso é importante para as mulheres em geral, assim como para as mais idosas, em particular, nas quais a maior prevalência de comorbidades aumenta a morbidade das terapias para o câncer de mama e pode impossibilitar o tratamento adequado.


Quando encerrar o rastreamento 

Essa questão é controversa. Os ensaios controlados randomizados não incluíram mulheres com idade ≥75 anos. E, para observar redução na mortalidade, é necessário aguardar algum tempo após o tratamento. A expectativa de vida depende da idade da paciente e da presença de comorbidades. A maioria das mortes por um câncer de mama detectado no rastreamento ocorreria em dez anos, se ele não fosse realizado. Assim, algumas diretrizes estabelecem a expectativa de vida de cinco a dez anos para decidir a continuidade do rastreamento. Como essa decisão é complexa e individualizada, organizações médicas como o American College of Radiology recomendam continuar o rastreamento do câncer de mama enquanto a mulher desejar e estiver saudável, com expectativa de vida suficiente para se beneficiar do diagnóstico e do tratamento4.


Riscos inerentes ao rastreamento

O rastreamento mamográfico associa-se a riscos de falso-positivos, overdiagnosis e potenciais efeitos da radiação ionizante. Resultados falsamente positivos são os mais comuns, mas se restringem, em mais de 90% dos casos, apenas a incidências mamográficas adicionais ou à ultrassonografia (US). Já o risco de uma biópsia falso-positiva como resultado do rastreamento mamográfico fica abaixo de 2%4. Embora aumentem a ansiedade em curto prazo, os falso-positivos são aceitos pelas mulheres como uma troca aceitável para salvar vidas e, paradoxalmente, elevam a adesão ao rastreamento5,6. No entanto, reduzir a ocorrência desses casos e o tempo para o diagnóstico final configuram medidas importantes.

 Já a expressão overdiagnosis se refere à detecção de um câncer de mama no rastreamento que não se torna sintomático durante a vida da mulher, o que ocorre quando o tumor é indolente/não progressivo e a paciente morre por outras causas. Contudo, não é possível diferenciar, por critérios radiológicos ou histológicos, qual câncer corresponde a um overdiagnosis no momento do diagnóstico. Não há consenso quanto à metodologia de cálculo. As estimativas variam bastante, mas é improvável que a quantidade desses casos supere o número de mulheres com cânceres assintomáticos em autópsias, estimado em cerca de 10%7. Uma revisão de 13 estudos europeus calculou o overdiagnosis em 1% a 10%8. Essa possibilidade, porém, é particularmente rara (<1%) em mulheres de 40 a 49 anos9. De qualquer modo, retardar o início do rastreamento ou aumentar seu intervalo não reduzem o overdiagnosis10.

Em relação à radiação ionizante, considera-se a mamografia um exame seguro, já que a dose utilizada é extremamente baixa. Não se conhece relato de câncer de mama induzido pela radiação mamográfica. Trata-se de uma probabilidade teórica e as estimativas, baseadas em modelos matemáticos, mostram que ela é baixa e amplamente superada pela redução da mortalidade proporcionada pelo rastreamento11.

De qualquer modo, esses riscos têm importância e implicam a necessidade de esclarecimentos para a paciente e de mitigação, sempre que possível, mas são suplantados pelos benefícios na mortalidade e na morbidade pela doença. A propósito, o balanço entre benefícios e riscos é um julgamento de valor individual, e não um critério científico, devendo, portanto, ser feito pelas mulheres, e não para as mulheres, como algumas diretrizes mais restritivas propõem12.


Rastreamento personalizado

Trata-se de um conceito no qual a estratégia de rastreamento, incluindo a idade de início e término, a periodicidade e o uso de métodos suplementares, varia de acordo com o risco de desenvolver câncer de mama, em geral, e dos subtipos mais agressivos, em particular13. Os requisitos para sua implementação estão em desenvolvimento e incluem ferramentas para estratificar o risco geral para câncer de mama e para os subtipos mais agressivos.

Assim, propostas de rastreamento personalizado que restringem o rastreio indicado para a população geral não são seguras, pois excluiriam muitas mulheres com câncer de mama e afetariam os benefícios na redução da mortalidade14,15. Portanto, esse conceito deve ser utilizado para decidir o rastreamento suplementar em pacientes com maior risco para câncer ou com mamas densas em adição ao recomendado para a população geral.


Rastreamento em mulheres com maior risco

Alguns fatores aumentam significativamente o risco de desenvolver câncer de mama e justificam a intensificação do rastreamento, o que inclui:

  • Antecipar o início devido ao risco de desenvolver câncer de mama mais cedo.
  • Fazer uso suplementar da ressonância magnética (RM) devido às limitações da mamografia. A US só é utilizada quando a RM não pode ser realizada; seu valor aditivo é insignificante quando a RM e a mamografia são feitas.

 

Grupos de maior risco e recomendações da Febrasgo, do CBR e da SBM1.

 

MAMOGRAFIA

RM

Mutação em genes com suscetibilidade para câncer de mama e familiares de primeiro grau não testadas
Anual, com início
aos 30 anos
Anual, com início aos 25 anos
Forte história familiar
(lifetime risk ≥20%)

Anual, dez anos antes da idade do familiar mais jovem no diagnóstico de câncer de mama, mas não antes dos 30 anos, para mamografia, e dos 25 anos, para RM
Irradiação torácica antes dos
30 anos 

Anual, com início oito anos após o término da radioterapia, mas não antes dos 30 anos, para a mamografia, e dos 25 anos, para RM
História pessoal de câncer de mama, neoplasias lobulares e hiperplasia ductal atípica
Anual, a partir do diagnóstico


Mamas densas

O tecido mamário denso reduz a sensibilidade da mamografia e constitui um fator de risco independente para o câncer de mama. Por isso, tem se proposto o rastreamento suplementar em mulheres com mamas densas, sem outros fatores de risco, com a US, considerada a modalidade suplementar primária16. Vários estudos mostraram que o método consegue identificar um número significativo de pequenos cânceres invasivos com axila negativa e reduzir a taxa de câncer de intervalo, mesmo nos casos de realização da tomossíntese16-18. A maior limitação da US é sua elevada taxa de falso-positivos16. O CBR, a Febrasgo e a SBM recomendam considerar o uso da US suplementar para pacientes com mamas densas, sem outros fatores de risco1.

Recentemente, foram publicados dois importantes estudos sobre o emprego da RM no rastreamento de mulheres com mamas densas. O Dense Trial mostrou que a RM suplementar em mulheres com mamas extremamente densas reduz a taxa de câncer de intervalo19. No estudo EA1141, a taxa incremental de cânceres invasivos detectados pela RM, ocultos na tomossíntese, foi de 7,1/1.000 mulheres20. Ambos os estudos abriram espaço para investigar a utilização futura da RM nessas pacientes.


Bibliografia

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20. Comstock CE et al. JAMA. 2020;323(8):746-756.


CONSULTORIA MÉDICA

Imagem Mamária

Dra. Giselle Guedes Netto de Mello

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Dr. Luciano Fernandes Chala

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