Rastreamento genético durante a gestação | Revista Médica Ed. 4 - 2015

Com o DNA fetal, uso das técnicas moleculares ganha relevo no rastreamento de cromossomopatias.

 

EYE OF SCIENCE/SPL/LATINSTOC


Dosagem de DNA fetal livre no sangue materno aumenta a sensibilidade da pesquisa de anomalias cromossômicas fetais no primeiro trimestre da gravidez.


Diversos estudos na área da Medicina Fetal objetivam aperfeiçoar o rastreamento de alterações cromossômicas fetais durante a gestação. O diagnóstico definitivo dessas doenças antes do nascimento requer uma amostra de material genético fetal, obtido por meio de biópsia de vilo corial ou amniocentese. Como se trata de procedimentos invasivos, que envolvem um potencial risco de abortamento, apenas são indicados em casos de alto risco para trissomia.


Há 25 anos, somente a idade materna era utilizada para identificar as pacientes que estariam no grupo de alto risco. Esse método gerava procedimentos invasivos em 5% das gestantes e diagnosticava apenas 30% dos fetos com trissomia 21. Com o passar dos anos, foram criadas novas estratégias para reduzir a necessidade desses procedimentos, com a incorporação de parâmetros ultrassonográficos – medida da translucência nucal (TN), osso nasal, fluxo do ducto venoso, regurgitação tricúspide e ângulo facial – e parâmetros bioquímicos – dosagem de beta-hCG livre, proteína A plasmática associada à gestação (PAPP-A) e hormônio de crescimento placentário (PLGF). O rastreamento combinado, associando a idade materna, a TN e o perfil bioquímico, aumentou a sensibilidade da investigação para 90%, porém ainda havia indicação de exames invasivos em 3-5% das gestantes.


Uma nova era iniciou-se em 1997 com a descoberta de que certa porcentagem de DNA fetal livre (cfDNA) na circulação materna provém da placenta e do feto – grande parte dele, na verdade, origina-se da apoptose de células placentárias. As primeiras aplicações clínicas desse achado foram a determinação do Rh do sangue fetal e a sexagem fetal.



Diversas pesquisas subsequentes levaram, então, ao desenvolvimento de métodos para rastrear alterações cromossômicas fetais, que culminaram com o teste não invasivo para trissomias fetais, ou NIPT, do inglês noninvasive prenatal testing, o principal representante dessa nova linha. O exame, que analisa fragmentos de DNA fetal livre circulantes no sangue periférico materno, é feito em uma amostra colhida já a partir de dez semanas de gestação e fica pronto em cerca de 10 a 20 dias, conforme a fração de cfDNA encontrada.


Atualmente, o Fleury utiliza o teste Verifi®, da Illumina, que é realizado no Brasil. A técnica emprega o sequenciamento de todo o cfDNA, além de adotar o Selective Algorithm for Fetal Result (SAFeR®). Na prática, o exame detecta aneuploidias comparando a quantidade de material cromossômico contra um conjunto de referências de cromossomos. As aneuploidias dos cromossomos sexuais também podem ser detectadas (45,X, 47,XXX, 47,XXY e 47,XYY).



  

Cariótipo-padrão da síndrome de Turner.
SPL/LATINSTOCK



 
Sensibilidade
Falso-positivo
Rastreamento de aneuploidias fetais pelo NIPT
Trissomia 21 (síndrome de Down)
99%
0,08%
Trissomia 18 (síndrome de Edwards)
96,8%
0,15%
Trissomia 13 (síndrome de Patau)
92,1%
0,20%
Monossomia X (síndrome de Turner)
88,6%
0,12%



Com maior sensibilidade e especificidade, o fato é que o cfDNA tem menor taxa de falso-positivos que o rastreamento combinado (idade materna, TN e perfil bioquímico), resultando em menor número de casos em que o procedimento invasivo seria indicado e, assim, em menor ansiedade materna.


Contudo, convém lembrar que o cfDNA faz um rastreamento, não um diagnóstico, o que deve ser minuciosamente esclarecido para a paciente durante o aconselhamento genético no pré-natal. E um teste de rastreamento coloca a paciente num grupo de baixo ou alto risco para trissomias, mas não confirma nem exclui o diagnóstico.


Também é preciso atentar para as limitações do cfDNA em relação aos métodos clássicos de pesquisa de alterações fetais. A ultrassonografia morfológica de primeiro trimestre exerce papel fundamental na pesquisa de outras malformações estruturais, não identificadas no cfDNA, tais como anencefalia, gastrosquise e onfalocele, entre outras. O perfil bioquímico e a dopplerfluxometria das artérias uterinas no primeiro trimestre auxiliam o rastreamento de complicações maternas, como a pré-eclâmpsia. Além disso, apenas os testes invasivos conseguem identificar uma gama maior de anomalias cromossômicas, especialmente se for utilizado o microarray.


Interpretação do cfDNA

Um teste normal de DNA fetal livre, indicado no laudo como "aneuploidia não detectada", sugere baixo risco para trissomias. Segundo o estudo de Gil et al (2014), o risco relativo negativo diante desse resultado é de cerca de 100, 31 e 13 para as trissomias 21, 18 e 13, respectivamente. Por exemplo, se o rastreamento combinado aponta um risco de um para 500 para a trissomia 21 e o cfDNA evidencia baixo risco, a chance de o feto ser afetado seria de uma em 50 mil.


Um risco considerado elevado, indicado no laudo como “aneuploidia detectada”, sugere que o feto tem probabilidade alta de apresentar alguma das cromossomopatias investigadas. Em tais casos, recomenda-se prosseguir a investigação com a biópsia de vilo corial ou a amniocentese, conforme a idade gestacional. Resultados falso-positivos, embora raros, podem estar associados a vanishing twin, mosaicismo placentário ou mesmo alterações maternas ainda não conhecidas.


Já diante de um resultado de cfDNA com baixo risco de cromossomopatias, o rastreamento pré-natal deve seguir com a realização das ultrassonografias morfológicas de primeiro e segundo trimestres. A inclusão da ecocardiografia fetal nessa rotina aumenta a sensibilidade da pesquisa de cardiopatias fetais.


Casos com valores limítrofes são indicados no laudo como “aneuploidia suspeita”, uma vez que existe uma pequena possibilidade de os resultados não refletirem os cromossomos do feto, mas, sim, alterações placentárias ou da gestante. No entanto, devem ser conduzidos da mesma forma que os de alto risco.



Resultados discordantes
Em um pequena porcentagem de casos, pode haver discordância entre o resultado do cfDNA e o resultado do teste invasivo ou mesmo o resultado pós-natal. Alguma das situações que podem explicar esses falso-positivos ou negativos incluem:

 
• Condições da gestante: aneuploidias maternas (completas ou mosaico), certas neoplasias (ainda em estudo) e antecedente de transplante de órgãos
 
• Mosaicismo fetal ou restrito à placenta
 
Vanishing twin (caso de gemelar não evolutivo)
 
• Performance do teste



  

Vilo corial em corte de tecido placentário, visto por microscopia.
SPL/LATINSTOCK


Como usar o NIPT no pré-natal


Embora o cfDNA apresente resultados superiores ao rastreamento combinado tradicional, ainda há controvérsias sobre a forma de incorporá-lo à rotina do pré-natal. A maioria dos estudos científicos incluiu apenas pacientes com risco aumentado para trissomia. O próprio Colégio Americano de Ginecologistas e Obstetras publicou, em 2012, uma recomendação para indicar o NIPT somente para casos de:


• Idade materna acima de 35 anos;

• Alterações ultrassonográficas associadas a trissomias;

• Filho anterior acometido por trissomia;

• Pais com translocação robertsoniana balanceada, com risco aumentado de trissomia 21 ou 13.



Apesar disso, recentemente foi publicado, no New England Journal of Medicine, um estudo em larga escala com gestantes de baixo risco, incluindo quase 16 mil pacientes (Norton et al, 2015). Em comparação ao rastreamento combinado, o teste mostrou maior sensibilidade, menor taxa de falso-positivo e maior valor preditivo positivo (50% para trissomia 21) também para essa população.

Por outro lado, Gratacós e Nicolaides, em artigo publicado em 2014, apontaram que esse teste ainda tem custo elevado e que, na maior parte dos países, é pago pela própria paciente no sistema privado de saúde, a qual busca uma forma de rastreamento primário com melhor performance.


Como política pública, diante disso, os autores sugerem que uma primeira opção seria realizar o cfDNA como rotina em toda a população com dez semanas de gestação, incluindo casos de gravidez de gêmeos, fertilização in vitro ou ovodoação. Nessa abordagem, estima-se que seriam detectados 99% dos fetos com trissomia 21 e 95% dos fetos com trissomias 13 e 18, com uma taxa de testes invasivos de 1%. A segunda opção seria oferecer o cfDNA às pacientes que realizaram o teste combinado e foram classificadas como risco alto ou intermediário, visando a selecionar o subgrupo que se beneficiaria da biópsia de vilo corial ou da amniocentese. Os cutoffs exatos para definir o risco dependeriam do custo do NIPT para determinar a parcela da população que seria submetida ao teste.


Em um modelo teórico, foi proposto que o rastreamento combinado (idade materna, TN e perfil bioquímico materno) classificaria a população em risco alto (≥1:10), intermediário (1:11–1:2.500) e baixo (<1:2.500). O grupo de alto risco se submeteria sempre ao teste invasivo e o grupo de risco intermediário faria primeiro o NIPT e, caso este viesse positivo, prosseguiria a investigação. Com tal estratégia, apenas 25% das pacientes teriam indicação de fazer o NIPT e 98% dos fetos com trissomias 21, 18 e 13 seriam diagnosticados, com uma taxa de testes invasivos de 0,8%.



Contraindicações
Não há contraindicação para a realização do teste, mas apenas situações em que os procedimentos invasivos clássicos seriam preferenciais em relação ao cfDNA (Gil et al, 2014):

 
• TN maior que 3,5 mm, devido ao risco elevado de outras aneuploidias raras, não pesquisadas pelo cfDNA
 
• Malformações fetais maiores diagnosticadas na ultrassonografia, como holoprosencefalia, onfalocele e megabexiga
 
• Bioquímica materna muito baixa (PAPP-A e beta-hCG livre inferiores a 0,3 MoM)



Gestar Fleury
O Fleury mantém um espaço diferenciado para atendimento às gestantes nas Unidades Paraíso, Rochaverá-Morumbi, Alphaville e Braz Leme – trata-se do Gestar Fleury. Nessas unidades, as grávidas podem realizar, no mesmo local e de maneira integrada, todos os exames diagnósticos do acompanhamento pré-natal, tendo boa parte dos resultados liberada em tempo reduzido para agilizar as decisões do obstetra, que, por sua vez, pode contar com o suporte especializado dos assessores médicos em Medicina Fetal.

Vale lembrar que o Gestar também oferece o Curso de Cuidados com a Saúde da Mamãe e do Bebê, ministrado por médicos especialistas.



Assessoria Médica
Dr. Mario H. Burlacchini de Carvalho
Dra. Tatiane Boute