Redução de movimentação fetal em gestação de 36 semanas

Percepção da redução de movimentos pela gestante configura sinal de alerta e deve ser investigada.

Percepção da diminuição dos movimentos do bebê pela gestante configura sinal de alerta e deve ser investigada


O CASO 

Paciente de 36 anos, secundigesta com um parto normal anterior, sem comorbidades e com idade gestacional de 36 semanas e 3 dias, veio ao Fleury numa manhã por queixa de redução significativa da movimentação fetal desde a noite anterior. Para o atendimento, fez uso do Fleury Gestar Resposta Rápida. Chegou à unidade e foi direcionada para o andar da Medicina Fetal. O médico do serviço fez contato com o obstetra da paciente e ambos concordaram em seguir o Protocolo de Redução de Movimentação Fetal do Fleury Gestar Resposta Rápida, que consiste na realização de ultrassonografia obstétrica com Doppler e do perfil biofísico fetal com cardiotocografia. 

Todos os exames estavam normais, com discreta diminuição da quantidade de líquido amniótico em relação ao exame anterior, feito havia duas semanas – o índice de líquido amniótico (ILA) era antes de 13 cm e passou a 9 cm. O caso foi rediscutido com o obstetra e a paciente, orientada. A gestante se acalmou ao ver que estava tudo bem com o feto e voltou ao lar. 

Sobre a redução da movimentação fetal 

A percepção da movimentação fetal pela gestante é um sinal associado com o bem-estar fetal e, quando a paciente nota que o bebê não está se movendo como de hábito, deve procurar atendimento médico. Pelo menos 40% das grávidas têm alguma preocupação em relação à diminuição da movimentação fetal, porém a maioria desses episódios é transitória. 

Se os movimentos fetais podem ser detectados pela ultrassonografia ao redor de 7 a 8 semanas, a gestante, a seu turno, só começa a percebê-los no segundo trimestre, ao redor de 16 a 20 semanas, o que ocorre antes nas mulheres que já tiveram parto em comparação às nulíparas. 

Vale assinalar que a movimentação do feto varia de acordo com o período do dia e a idade gestacional, de modo que a frequência aumenta ao longo do dia, com o pico de atividade durante o período noturno. Em geral, a intensidade e a frequência são constantes no decorrer do terceiro trimestre nas gestações normais e algumas pacientes referem aumento dos movimentos nas últimas duas semanas antes do parto.


Marcador de desfechos A redução da movimentação fetal tem sido considerada um marcador de óbito fetal e de outros desfechos durante a gravidez. Apesar de algumas definições qualitativas e quantitativas já terem sido propostas, atualmente se considera que não há evidências de benefício da contagem de movimentos em comparação à percepção subjetiva dessa diminuição pela gestante. Uma revisão sistemática e metanálise constatou que não ocorreu melhora significativa nos desfechos de óbito fetal, mortalidade perinatal ou neonatal, restrição de crescimento fetal, morbidade perinatal e índice de Apgar aos 5 minutos de vida menor que 7 quando se comparou a contagem dos movimentos com o grupo controle, além de ter havido fraca associação com parto prematuro, indução de parto e cesariana. 

Contudo, alguns locais ainda utilizam, como maneira alternativa à percepção materna qualitativa – que ajuda a dar um sinal de alerta –, a contagem de, pelo menos, dez movimentações fetais durante um período de até duas horas com a gestante em repouso. Um resultado abaixo desse valor indica necessidade de avaliações adicionais. 

A redução transitória da movimentação fetal pode ser decorrente de sono fetal, que configura uma causa comum e benigna dessa ocorrência, do uso de medicamentos que atravessam a placenta, como os sedativos, do tabagismo materno ou, ainda, da menor percepção pela grávida. Nessa última situação, a idade gestacional precoce, o aumento ou a diminuição do volume de líquido amniótico, a posição materna geralmente sentada ou em pé, a posição fetal, a placenta em localização anterior, a realização de atividade física materna ou mesmo a distração mental da gestante podem interferir na capacidade de a grávida perceber que o feto está se mexendo.

Desfechos adversos que podem estar associados à redução de movimentação fetal

  •  Óbito fetal  Restrição de crescimento 
  • Parto prematuro  
  • Insuficiência placentária  
  • Hemorragia fetomaterna 
  • Anomalias congênitas 
  • Mortalidade neonatal



O DIAGNÓSTICO 

A avaliação da paciente com queixa de redução dos movimentos fetais deve ser feita o mais rapidamente possível, de preferência dentro de duas horas. Essa abordagem contempla a história clínica, com investigação de possíveis fatores de risco para óbito fetal, e exame físico obstétrico para checar os batimentos cardíacos do feto, além de testes complementares para avaliar o bem-estar do bebê, como cardiotocografia, perfil biofísico fetal e ultrassonografia obstétrica com Doppler. 

Cardiotocografia 

O método permite avaliar o bem-estar do feto por meio do monitoramento de sua frequência cardíaca, sendo o principal marcador de sofrimento fetal agudo e o primeiro a se alterar na hipóxia fetal. 

Sua versão computadorizada estuda a presença de acelerações e a variabilidade da frequência cardíaca fetal, incluindo a avaliação dos episódios de variação curta (short term variation), que o exame tradicional não aborda, e tem importância na análise da oxigenação fetal. 

De forma geral, o exame está indicado a partir de 25 semanas gestacionais e deve ser preferencialmente realizado com a gestante alimentada (sem jejum). 

Os parâmetros avaliados abrangem linha de base (normal entre 110 e 160 bpm), variabilidade, presença de acelerações transitórias (aumento da frequência cardíaca fetal acima de 15 bpm e com duração de 15 segundos, nas gestações ≥32 semanas, ou acima de 10 bpm e duração de 10 segundos, nas gestações <32 semanas) e presença de desacelerações. 

O resultado é dado como índice cardiotocométrico, obtido pela soma das pontuações de cada parâmetro, classificando o feto como ativo (índices 4 e 5, considerados normais), hipoativo (índices 2 e 3, suspeitos) e inativo (índices 0 e 1, anormais). Perfil biofísico fetal Combina a avaliação de atividades biofísicas fetais e a estimativa do volume de líquido amniótico (medidas do ILA e do maior bolsão vertical de líquido amniótico), visando à obtenção de uma melhor predição do bem-estar fetal, por meio da execução da cardiotocografia e da ultrassonografia. 

A atividade biofísica fetal reflete o grau de oxigenação do sistema nervoso do bebê, sendo mensurada pela frequência cardíaca fetal (por meio da cardiotocografia), pelos movimentos respiratórios fetais, pelos movimentos corporais fetais e pelo tônus fetal, marcadores tidos como agudos. Quando há desenvolvimento de hipoxemia fetal, o primeiro parâmetro que se modifica é a frequência cardíaca do feto, seguida pelos movimentos respiratórios, pelos movimentos corporais e, por último, pelo tônus. 

Já o líquido amniótico constitui um marcador crônico do perfil biofísico fetal. Após o desencadeamento da centralização da circulação fetal decorrente da hipoxemia crônica, há queda na perfusão dos pulmões e dos rins do feto, responsáveis pela produção do líquido amniótico na segunda metade da gestação. Dessa forma, a diurese diminui, bem como o volume de líquido amniótico, medido pelo ILA ou classicamente pelo maior bolsão vertical. 

A análise do perfil biofísico fetal recebe uma pontuação de 2, para as variáveis consideradas normais, e de 0, para as anormais, com resultado total de 0 a 10 pontos. Com resultado de 10 ou 8 pontos com ILA normal, há baixo risco para hipoxemia aguda ou crônica. Diante de um índice de 8 pontos e ILA ≤5,0 cm (oligoâmnio), o risco de hipoxemia aguda cai, sendo mais provável a presença de hipoxemia crônica. O índice de 6 pontos com ILA normal pode corresponder a uma asfixia aguda e apontar necessidade de repetir o exame em 6 a 24 horas. O índice de 6 com ILA anormal pode se referir a uma asfixia aguda, provavelmente crônica, havendo indicação de parto, de forma geral. Já nos valores de perfil biofísico fetal inferiores a 6, indica-se conduta ativa.


Ultrassonografia obstétrica com Doppler 

O exame avalia o feto (verificação do crescimento fetal), a placenta e o líquido amniótico. A associação do Doppler permite verificar o funcionamento da placenta (artérias umbilicais), o estado fetal (por exemplo, artéria cerebral média, ducto venoso) e até o estado materno (artérias uterinas), sendo importante para compreender o estado hemodinâmico fetal em situações patológicas, bem como nas fisiológicas. Na gestação de alto risco, a dopplervelocimetria ajuda a estudar a vitalidade fetal, em associação com o perfil biofísico fetal, em especial após 24 semanas. A restrição do crescimento fetal se associa com diminuição de número, qualidade, intensidade e duração dos movimentos do feto e episódios repetidos de redução da movimentação do bebê ao termo. A presença de insuficiência placentária crônica pode interferir na oxigenação e no crescimento do feto.



CONCLUSÃO 

A percepção da diminuição da movimentação fetal é um sinal que pode indicar desfechos graves e, dessa forma, sempre deve ser investigada com métodos que avaliam a vitalidade fetal e que incluem, basicamente, o conjunto de perfil biofísico fetal com a cardiotocografia e a ultrassonografia obstétrica com Doppler. A conduta é definida de acordo com os resultados encontrados. O achado de vitalidade fetal normal dá segurança e tranquilidade para a paciente, seus familiares e o médico obstetra, como observado no caso relatado. Diante de episódios persistentes de diminuição dos movimentos do feto, a conduta vai depender da idade gestacional e da identificação de fatores de risco para óbito fetal. Nas pacientes com menos de 37 semanas, recomenda-se continuar a monitoração periodicamente se a gestante permanecer percebendo que o feto está se movimentando pouco. No caso apresentado, vale assinalar que o serviço Fleury Gestar Resposta Rápida possibilitou o atendimento da gestante sem necessidade de recorrer a um pronto-socorro.


Consultoria Médica

Dra. Luciana Carla Longo e Pereira
[email protected]

Dr. Mário H. Burlacchini de Carvalho
[email protected]


Referências bibliográficas 

• Fretts RC. Decreased fetal movement: diagnosis, evaluation, and management. Uptodate, Aug. 2023.

• Bellussi F et al. Fetal movement counting and perinatal mortality. A systematic review and meta-analysis. Obstet Gynecol 2020;135:453–62. 

• Zugaib. Tratado de Obstetrícia, 3a edição.