Ressonância magnética de colo uterino antes da conização ajuda a planejar tratamento da lesão

Uso da ressonância magnética para o estadiamento das neoplasias de colo uterino.

Em sua última versão do Sistema de Estadiamento do Câncer de Colo Uterino (2018), a Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) formalizou o uso da ressonância magnética (RM) para o estadiamento das neoplasias de colo uterino. Por meio das sequências ponderadas em T2, a RM consegue prover imagens do colo do útero com alta definição, nas quais se pode mensurar a extensão total do canal endocervical, identificando ainda o orifício interno e externo do colo e avaliando a camada interna endocervical e o estroma fibromuscular, além das estruturas vicinais, como o paramétrio. O fato é que a elevada resolução tecidual do método permite reconhecer, mensurar e delimitar com exatidão os tumores cervicais. 

Quando realizado por meio da RM, o estadiamento do câncer de colo uterino deve vir sucedido da letra “r” (eg, FIGO IIBr). Nesse ponto, vale considerar alguns conceitos de uso corrente nos artigos sobre o tema, em cima dos quais os paradigmas de tratamento se baseiam: 

a) early stage cervical cancer: tumores nos estágios IA1/2, IB1/2 e IIA1 da FIGO, passíveis de tratamento minimamente invasivo sem adjuvância (a depender de alguns critérios, abaixo descritos); 

b) locally advanced cervical cancer: estágios IIA2 e IIB-IVA, além do advanced cervical cancer (IVB), os quais, quase sempre, requerem tratamento combinado com quimioterapia e radioterapia.

Para os estágios mais precoces, há mais opções terapêuticas, com margem para intervenções menos invasivas – a exemplo daquelas preservadoras de fertilidade e/ou histerectomia total –, caso alguns critérios sejam preenchidos, como dimensões tumorais de até 2,0 cm, ausência de infiltração cervical profunda, ausência de infiltração linfovascular e ausência de linfonodomegalias.  

Dessa forma, é fundamental lançar mão de meios para a seleção adequada das pacientes, evitando-se agregar adjuvância aos tratamentos minimamente invasivos, com risco de inflingir morbidade e custos às pacientes em quem se poderia abrir mão dessa estratégia. 

Antes da conização, em particular, a literatura não fornece uma resposta clara sobre o uso da RM e a própria FIGO recomenda o método apenas para lesões maiores que 1,0 cm. Mas há situações em que a ressonância pré-conização pode ser útil. 

É o caso do estadiamento de pacientes cujo resultado da biópsia revelou uma lesão de alto grau, principalmente quando a junção escamocolunar não foi visível pela colposcopia, bem como de portadoras de adenocarcinoma e de HPV 18. Por sua alta resolução tecidual, a RM pode flagrar uma doença maior do que a esperada, a exemplo de uma lesão ascendente mais extensa “atapetando” todo o canal endocervical.

Imagem A: plano sagital de imagem ponderada em T2. O asterisco se refere ao gel utilizado para distender a cavidade vaginal. As setas vermelhas apontam para os fórnices vaginais anterior e posterior. A linha amarela passa sobre a porção intravaginal do colo uterino, que é o plano de corte da imagem B, na qual se visualiza o colo uterino em seu plano axial, delimitando-se o anel estromal externo (1) e o interno (2), conforme imagem esquemática (asteriscos em B e C: endocérvice).

Na literatura, há dados que demonstram a precisão do método para a medida de tumores de colo uterino e como ferramenta para avaliar, de forma não invasiva, a profundidade de invasão tumoral do estroma do colo – já que, quanto maior a profundidade da invasão, maior a chance de ela atingir e infiltrar os vasos linfáticos, com potencial disseminação linfonodal. Nesse cenário, a RM pode auxiliar uma ampliação das margens do cone de forma a contemplar toda a lesão, a fim de fornecer ao patologista o material necessário para o adequado estudo dos parâmetros já mencionados. 

A RM também tem aplicação em candidatas a uma reconização, sobretudo naquelas que ainda desejam constituir prole, uma vez que a manutenção de um colo residual mínimo, nessas pacientes, é fundamental para o desenvolvimento de uma futura gestação. 

O método também tem sido usado em pacientes nas quais se cogita a cirurgia minimamente invasiva. Não é raro o Fleury receber solicitação de RM para a pesquisa de lesão residual pós-conização cujas margens, após a análise anatomopatológica, se apresentaram comprometidas. Ocorre que, depois do procedimento, nem sempre se consegue diferenciar, com segurança, entre o que é tumor e o que é alteração inflamatória, limitando a adequada identificação e mensuração de lesões residuais. 

Diante disso, é sempre melhor proceder à mensuração antes da cirurgia para garantir que a intervenção minimamente invasiva seja realmente oferecida para alguém com um tumor menor que 2,0 cm. Como o comprometimento linfonodal também é impeditivo para esse tipo de procedimento, a RM pode topografar linfonodos suspeitos – sobretudo aqueles situados fora das vias usuais de drenagem –, facilitando a amostragem excisional ganglionar videolaparoscópica pré-cirúrgica. 

Convém destacar que o parque radiológico do Fleury está montado com aparelhos de RM de última geração, capazes de atender a todas essas demandas. O exame ainda pode ser realizado com protocolo dedicado, bastando, para isso, que tal solicitação esteja descrita no pedido médico.

Paciente com 53 anos de idade, com biópsia de colo uterino revelando NIC 3. (A) Imagem sagital ponderada em T2: as setas vermelhas indicam uma lesão endocervical medindo 1,6 cm, classificada como estágio IB1r, com proposta terapêutica inicialmente cirúrgica. (B) Imagem axial ponderada em T2 do colo uterino demonstra infiltração de praticamente toda a espessura do estroma cervical (setas vermelhas). A cirurgia de alta frequência (CAF) revelou infiltração linfovascular e profunda do estroma do colo uterino, além de margens cirúrgicas comprometidas. A paciente foi encaminhada para químio e radioterapia, evoluindo sem sinais de recidiva de doença dois anos após o tratamento.


Consultoria Médica 

Dr. Lucas Rios Torres
[email protected]