Síncope: como identificar as principais causas e orientar o paciente

Diagnóstico etiológico da condição é importante para identificar casos graves.

Classicamente, a síncope é definida como a perda súbita, transitória e autolimitada da consciência e do tônus muscular, seguida de recuperação rápida, completa e espontânea. Pode ou não ser precedida de sintomas (pródromos), sobretudo tontura, sudorese fria, náuseas e turvação visual.

Independentemente da etiologia, o evento resulta de hipofluxo cerebral global transitório e decorre geralmente de queda súbita da pressão arterial, determinada pela redução do débito cardíaco, da resistência vascular periférica ou de ambos. Portanto, uma síncope pode ser desencadeada tanto por falha do débito cardíaco secundária a arritmias cardíacas ou disfunções miocárdicas e valvares quanto por queda da resistência vascular sistêmica, como acontece nas síncopes reflexas ou nas neuropatias autonômicas.

Embora benigna na maioria das vezes, o esclarecimento etiológico tem substancial relevância pelo fato de a condição se apresentar muitas vezes de forma dramática, com risco de recorrência, e por se tratar de um indicador de alto risco de eventos em determinado grupo de pacientes. Nesse aspecto, portanto, um dos objetivos da investigação é afastar que a síncope seja o prenúncio de morte súbita cardíaca.

Classificação da síncope de acordo com suas causas principais

Reflexa ou neuromediada

- Vasovagal (mediada por ortostase prolongada)

- Situacional (após tosse, micção, defecação, risada ou deglutição)

- Hipersensibilidade do seio carotídeo

- Formas atípicas (sem estímulo aparente ou com apresentação atípica)

Decorrente de hipotensão ortostática

Disfunção autonômica primária

- Disfunção autonômica secundária

- Induzida por drogas (vasodilatadores e diuréticos)

- Hipovolemia (real ou relativa)

Cardiovascular

- Arritmias (bradicardias, bloqueios atrioventriculares, taquiarritmias mal toleradas)

- Doenças estruturais (valvopatias obstrutivas, cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva, isquemia miocárdica, massas, doenças do pericárdio)

- Embolia pulmonar, dissecção aguda da aorta e outras

 

SÍNCOPE NEUROMEDIADA E HIPOTENSÃO ORTOSTÁTICA

Correspondendo a 66% de todos os eventos, as síncopes neuromediadas são desencadeadas por reflexo inapropriado, o qual leva à redução súbita da pressão arterial, da frequência cardíaca ou de ambos. Configuram condições benignas e não causam maior mortalidade em seus portadores do que na população geral saudável, embora, em alguns casos, possam ter apresentação mais traumática, com maior morbidade em longo prazo.

Já a hipotensão ortostática é a causa de síncope em, pelo menos, 10% dos casos, notadamente em idosos, e secundária a medicamentos como diuréticos, antiarrítmicos e vasodilatadores. Contudo, também pode ser sinal de disfunção do sistema nervoso autônomo, tanto primária, como na doença de Parkinson, na falência autonômica pura e na atrofia sistêmica múltipla, quanto secundária, como no diabetes mellitus, na neuropatia autonômica autoimune e na polineuropatia amiloidótica familiar.

O tilt test

O teste de inclinação ortostática, ou tilt table test, contribui para a elucidação diagnóstica de síncopes em pacientes sem cardiopatia estrutural ou após afastadas causas cardíacas, muitas vezes confirmando o diagnóstico da síncope neuromediada ou de disautonomias.

O exame consegue reproduzir o reflexo neuromediado em condições controladas. O sequestro de sangue nos membros inferiores, decorrente da redução do retorno venoso em consequência do estresse ortostático e da imobilização, desencadeia o reflexo, que consiste na interrupção súbita do tônus simpático e na exacerbação do tônus vagal, ocasionando hipotensão arterial, bradicardia ou ambos.

O critério de positividade do tilt é a reprodução dos sintomas clínicos associada ao colapso hemodinâmico. As respostas podem ser classificadas, de acordo com as variações da pressão arterial e da frequência cardíaca, em vasodepressora, quando predomina a hipotensão, em  cardioinibitória, quando prevalece a bradicardia, ou em mista, se os dois mecanismos  estiverem presentes.

Principais indicações 

- Síncope recorrente em indivíduo sem cardiopatia

- Síncope recorrente em indivíduo com cardiopatia, somente após excluídas causas cardíacas

- Síncope isolada em pessoa com alto risco relacionado à recorrência, seja pela natureza da profissão, seja pela possibilidade de trauma físico

- Demonstração de suscetibilidade à síncope reflexa

- Síncope e pré-síncope na presença de neuropatia periférica ou insuficiência autonômica para discriminar a hipotensão ortostática de padrão disautonômico da etiologia reflexa

- Diagnóstico diferencial entre síncope e epilepsia (sobretudo nas epilepsias refratárias)

- Quedas repetidas e inexplicadas, em especial em idosos

- Síncope recorrente em pacientes com doenças psiquiátricas

- Intolerância ortostática em pacientes com fadiga crônica

- Disautonomias, como em pacientes com doença de Parkinson, síndrome postural ortostática taquicardizante e polineuropatia amiloidótica familiar


ORIGEM CARDÍACA

As doenças cardiovasculares respondem por 16% das síncopes, com destaque para as arritmias (11%). Os distúrbios do ritmo podem levar a alterações hemodinâmicas, com redução do débito cardíaco e do fluxo sanguíneo cerebral. Nesses casos, diversos fatores contribuem para o episódio, como a frequência cardíaca, o tipo de arritmia, a função do ventrículo esquerdo, a postura e a capacidade de compensação vascular.

As doenças cardíacas obstrutivas também causam síncopes, principalmente a cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva e a estenose aórtica grave, na qual a perda de consciência é critério de pior prognóstico e risco em potencial de morte súbita cardíaca.

O holter na investigação das arritmias

Muito útil nessas situações, o holter de 24 horas consegue diagnosticar, quantificar e classificar os episódios arrítmicos e determinar as pausas e alterações do segmento ST, bem como avaliar a variação da frequência cardíaca.

Quando se suspeita de uma arritmia como causa da síncope, mas a condição não é flagrada pelo estudo de 24 horas, a monitoração por sete dias pode ajudar a esclarecer o quadro.

De qualquer modo, o padrão-ouro para o diagnóstico da síncope por arritmias é a manifestação dos sintomas típicos simultaneamente ao registro de alterações do ritmo cardíaco capazes de produzir tais manifestações. Por outro lado, a ausência de uma arritmia durante um episódio sincopal também apresenta grande valor para excluir a condição como mecanismo causador do evento.

O ecocardiograma e outros exames de imagem

Essencial para o diagnóstico de doenças cardíacas estruturais, o ecocardiograma fornece dados do desempenho cardíaco e tem papel relevante na estratificação de risco com base na fração de ejeção do ventrículo esquerdo. Na investigação da síncope, a presença isolada de uma alteração estrutural cardíaca auxilia o raciocínio clínico, mas não permite a elucidação completa da causa.

Contudo, a detecção de algumas condições específicas permite que o ecocardiograma confirme o diagnóstico de síncope de origem cardíaca, como estenose grave da valva aórtica,  obstrução das vias de saída do ventrículo esquerdo por tumor ou trombos, dissecção de aorta, tamponamento pericárdico e anomalias congênitas das artérias coronárias.

A ecocardiografia transesofágica, a tomografia computadorizada e a ressonância magnética podem ser úteis em pacientes selecionados, como os que apresentam massas cardíacas, embolia pulmonar, dissecção da aorta com hematoma, doenças do miocárdio e pericárdio e alterações congênitas das artérias coronárias.

A utilidade dos testes de esforço

A síncope induzida por exercício é pouco frequente e, portanto, os testes de esforço, como o ergométrico, estão indicados apenas a indivíduos que tiveram um episódio durante ou logo após a atividade física.

A monitoração rigorosa da atividade elétrica do coração e da pressão arterial deve ser realizada ao longo do exame e na fase de recuperação depois do esforço, já que essas duas situações suscitam diferentes interpretações: enquanto a síncope que ocorre quando o indivíduo está se exercitando deriva de causas cardíacas, aquela que advém no fim do treinamento indica um mecanismo reflexo como possível responsável.

Critérios diagnósticos do teste de esforço na investigação da síncope

- Reprodução da síncope durante ou imediatamente após o exercício na presença de anormalidades eletrocardiográficas ou hipotensão grave
- Evidência eletrocardiográfica de bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo Mobitz II ou de terceiro grau durante o esforço, mesmo na ausência de síncope


ETIOLOGIA NEUROLÓGICA

Expresso como hipotensão ortostática, o comprometimento do sistema nervoso autônomo pode originar uma síncope. Condições neurológicas degenerativas, como a doença de Parkinson, a doença por corpúsculos de Lewy e a atrofia sistêmica múltipla, associam-se à disfunção autonômica primária. Crises epilépticas também causam perda transitória de consciência e constituem um importante diagnóstico diferencial de quadros sincopais. Em ambos os contextos, descartadas as origens neuromediada e cardiovascular, a avaliação neurológica está indicada para esclarecer a presença de uma afecção de base.

Epilepsia

Uma das maiores dificuldades para o clínico, quando confrontado com a queixa de eventos sincopais, está no fato de que ele raramente os presencia. O diagnóstico é especialmente difícil em casos em que ocorrem abalos motores. Para uma caracterização mais detalhada, o médico depende do relato, nem sempre imparcial, do paciente e do acompanhante. Uma anamnese cuidadosa, porém, auxilia o raciocínio clínico. Contudo, diante de dados que não permitam o diagnóstico de síncope ou que corroborem a suspeita de epilepsia como causa da perda transitória de consciência, exames complementares estão indicados.

Como a história clínica ajuda a diferenciar a síncope de uma crise epiléptica

Dados clínicos
Crise epiléptica
Síncope
Sinais que podem
anteceder o evento
. Aura (sintomas sensitivos, sensoriais, motores e autonômicos)
. Abalos mioclônicos de curta duração
. Náuseas e vômitos
. Sudorese fria
. Alterações visuais
Achados durante
o episódio de perda
de consciência
. Movimentos tônico-clônicos prolongados, com início geralmente coincidente com
a perda de consciência
. Movimentos clônicos unilaterais
. Automatismos
. Mordedura da língua (parte lateral ou posterior)
. Cianose
. Liberação esfincteriana
. Possíveis abalos motores e
hipertonia de curta duração
(menos de 15 segundos),
iniciados após a perda de
consciência
.  Possível mordedura de língua (parte anterior)
. Liberação esfincteriana
(incomum)
Sintomas após
o evento
. Confusão mental
. Sonolência
. Dor muscular
. Náuseas e vômitos
. Palidez cutânea
. Rápida recuperação da consciência
Estímulo
desencadeante
. Estresse
. Período menstrual
. Privação de sono e outros estímulos específicos
. Estresse emocional
. Dor
. Ortostase prolongada


PODE SER O MARCA-PASSO

O mau funcionamento de dispositivos cardíacos implantáveis igualmente deve ser aventado como possível justificativa de síncope nos indivíduos portadores de marca-passos, cardiodesfibriladores ou ressincronizadores. A análise desses aparelhos precisa ser feita periodicamente, assim como nos casos de alterações clínicas ou eletrocardiográficas em que se suspeite de disfunção dessa natureza. A avaliação eletrônica por meio de programadores específicos de dispositivos cardíacos das marcas Medtronic, Biotronik e Vitatron pode ser realizada na Unidade Ponte Estaiada, do Fleury, mediante agendamento prévio, e inclui a verificação do modo de funcionamento, da programação e do estado da bateria do aparelho.


Consultoria médica

Dr. Bruno Vaz Kerges Bueno
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Dra. Paola Smanio
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