Paciente do sexo masculino, 7 anos e 6 meses, havia perdido o seguimento pediátrico no segundo ano de vida, tendo retornado fazia um mês com queixa de dificuldade de aprendizado e baixa estatura, em comparação com crianças da mesma faixa etária.
A atual disponibilidade dos testes genéticos auxilia a confirmação diagnóstica em pacientes com essa suspeita
O CASO
Paciente do sexo masculino, 7 anos e 6 meses, havia perdido o seguimento pediátrico no segundo ano de vida, tendo retornado fazia um mês com queixa de dificuldade de aprendizado e baixa estatura, em comparação com crianças da mesma faixa etária.
A mãe negava atraso nos marcos de desenvolvimento neuropsicomotor nos primeiros anos. Referia também uma gestação sem intercorrências, embora o bebê tivesse nascido pequeno para a idade gestacional. Dentre outros antecedentes patológicos relevantes, destacava um sopro inocente e criptorquidia, tratada cirurgicamente.
Ao exame físico, a criança apresentava estatura de 110 cm e peso de 19,1 kg, que confirmavam a baixa estatura, proporcionada. Os genitais eram infantis, sem sinais de desenvolvimento puberal, com classificação de Tanner G1P1.
Chamavam também a atenção, apesar de discretos, alguns dismorfismos faciais, como fissura palpebral externa desviada para baixo, com ptose, e implantação baixa das orelhas. À ausculta cardíaca, foi evidenciado ainda um sopro sistólico de ejeção de timbre baixo, audível de forma mais evidente sobre a área pulmonar, sem irradiações.
Curvas de estatura para idade para meninos de 5 a 19 anos (adaptadas da OMS, 2007) |
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Em percentis.
Idade (meses completos e anos) Em escores-Z. Idade (meses completos e anos) |
A DISCUSSÃO
Investigação de baixa estatura
A baixa estatura caracteriza-se por altura inferior ao percentil 2,5 da curva de crescimento ou escore de desvio-padrão da altura para idade e sexo (escore- Z da altura) abaixo de -2. Além disso, crianças acima de 3 anos, mesmo dentro do canal normal, mas que apresentem desaceleração de crescimento ou estatura fora do canal de crescimento da família devem ser avaliadas. Vale lembrar que o cálculo da altura-alvo usa a média aritmética da estatura dos pais somando 6,5 cm, nos meninos, e subtraindo 6,5 cm, nas meninas, considerando-se como canal de crescimento esperado a altura-alvo mais ou menos dois desvios-padrão.
Na investigação do quadro, uma história clínica minuciosa, incluindo antecedentes pessoais e familiares, e um exame físico detalhado configuram as principais ferramentas diagnósticas. Para afastar causas não endócrinas, como anemia e doenças renais, hepáticas ou inflamatórias, os exames laboratoriais são importantes. As causas endócrinas mais comumente associadas à condição, como o hipotiroidismo e a deficiência de GH, podem igualmente ser pesquisadas em uma primeira avaliação.
Já os testes de estímulo de GH estão indicados para pacientes com sinais sugestivos de deficiência do hormônio e IGF-1 baixo ou limítrofe. Aliás, o IGF-1 é o hormônio a ser avaliado num primeiro momento para descartar deficiência de GH, enquanto a solicitação e a interpretação dos testes funcionais ficam a cargo de especialistas.
Em maiores de 2 anos, a radiografia de mão e punho para avaliação de idade óssea tem utilidade no raciocínio clínico, sendo capaz de revelar avanço ou atraso na maturação esquelética. Deve ser utilizada na interpretação da altura em relação ao canal de crescimento, podendo, inclusive, fornecer informações a respeito da estatura final do indivíduo.
O paciente avaliado apresentava sinais sugestivos de síndrome genética na história clínica e no exame físico. Ademais, os exames laboratoriais e endocrinológicos normais, associados a um atraso na idade óssea em relação à cronológica – 1,9 desvio-padrão abaixo da média etária esperada para o sexo masculino –, apontavam para um retardo constitucional do desenvolvimento, implicando a necessidade de investigar outras causas.
Avaliação laboratorial indicada na investigação inicial da baixa estatura
Avaliação da reserva de GH | ||
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Os testes para avaliação da capacidade secretória de GH em crianças com baixa estatura e velocidade de crescimento diminuída são comumente solicitados, já que a medida isolada desse hormônio tem pouca utilidade devido à característica pulsátil de sua secreção, com possibilidade de execução com diferentes estímulos. Uma vez que mesmo crianças normais nem sempre respondem adequadamente a um determinado teste, preconiza-se a verificação de ausência de resposta em dois tipos distintos de prova para que a suspeita de deficiência de GH seja devidamente valorizada. Testes disponíveis para avaliar a capacidade de secreção de GH | ||
Estímulo | Vantagens | Limitações |
Exercício |
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Glucagon |
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Insulina |
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Clonidina |
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O estudo radiográfico na determinação da idade óssea |
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O exame de raios X de mão e punho para determinar a idade óssea geralmente é realizado no lado esquerdo, por se tratar do não dominante na maioria dos pacientes, e a imagem obtida pode ser analisada pelos métodos de Tanner-Whitehouse ou de Greulich e Pyle – o mais usado. A avaliação baseia-se na sequência de aparecimento e na morfologia dos núcleos de ossificação de falanges, metacarpos e ossos do carpo, rádio e ulna. No estudo, os núcleos das epífises distais merecem maior peso na definição da idade, seguidos de falanges médias e proximais, rádio e ulna. Os ossos do carpo são menos representativos por apresentarem grande variação no decorrer de sua maturação. |
Avaliação de sopro cardíaco na infância |
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Diante de um sopro cardíaco durante uma consulta de rotina em paciente sem sintomas cardiovasculares, como o da criança em questão, uma avaliação cardiológica completa e exames complementares, quando necessários, podem auxiliar a discriminar entre um sopro inocente, uma cardiopatia até então não identificada ou uma alteração causada por outras doenças de base. Na investigação do caso em discussão, o menor apresentou radiografia de tórax e eletrocardiograma de repouso normais para a faixa etária. O ecocardiograma bidimensional, por sua vez, identificou um discreto espessamento da valva pulmonar, com ventrículo direito sem alterações, e um gradiente ventrículo direito-artéria pulmonar de 28 mmHg, achados compatíveis com estenose pulmonar leve. |
A síndrome de Noonan
Com prevalência global estimada em 1:1.000 a 1:2.500 nascidos vivos, a síndrome de Noonan (SN) é uma doença multissistêmica, de etiologia genética, e com um amplo e heterogêneo espectro clínico.
Entre outras manifestações, caracteriza-se por dismorfismos faciais, defeitos cardíacos congênitos, baixa estatura, alterações renais, criptorquidia, deformidades torácicas, malformações linfáticas e graus variados de deficiência intelectual.
As alterações faciais típicas apresentam considerável variação com a idade, sendo mais notórias na infância. Os principais aspectos encontrados incluem implantação baixa das orelhas, hipertelorismo, fissura palpebral oblíqua para baixo e ptose. O formato triangular do rosto, a micrognatia e o pescoço curto e alargado podem ainda ser evidentes.
Cerca de 70% a 80% dos pacientes têm baixa estatura. A etiologia desse quadro ainda não está bem definida, já que geralmente os testes de secreção de GH após estímulo são normais.
A SN representa a segunda causa de defeitos cardíacos congênitos, depois da trissomia do 21. Estima-se que mais de 80% dos indivíduos acometidos sofram de alguma cardiopatia, sendo a estenose valvar pulmonar a mais frequente, seguida da miocardiopatia hipertrófica.
O diagnóstico depende primordialmente da suspeita clínica. Contudo, devido à variabilidade fenotípica, recomenda-se a confirmação do quadro pela identificação de uma variante patogênica heterozigota em um dos genes associados à condição.
O sequenciamento genético é o padrão-ouro para a detecção das mutações gênicas relacionadas à SN. Entretanto, como a pesquisa envolve vários genes, os painéis multigênicos feitos por sequenciamento de nova geração (NGS) constituem o teste mais eficiente e rápido nesse contexto. Isso porque incluem, em uma única análise, os genes mais frequentemente associados ao quadro. Vale destacar que o cariótipo é normal na SN, não estando, portanto, indicado como método diagnóstico usual na investigação.
No caso aqui discutido, o menor preenchia os critérios para o diagnóstico clínico da síndrome, já que apresentava fáscies sugestiva, associada a condições como estenose de valva pulmonar, baixa estatura e criptorquidia. Dessa forma, o médico-assistente solicitou o painel genético para a pesquisa da síndrome, que evidenciou uma mutação no gene PTPN11, que está relacionada a 50% dos casos, confirmando o quadro.
Critérios diagnósticos da SN
Adaptado de: Malaquias et al. Arq Bras Endocrinol Metab. 2008; 52/5: 800-808.
Principais genes associados à SN
Aconselhamento genético: essencial |
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Embora cerca de 30% a 75% dos indivíduos com SN tenha um parente afetado, o menor avaliado não apresentava história familiar sugestiva. Ainda assim, os pais foram avaliados com exame físico completo, revisão de fotografias em várias faixas etárias, à procura de dismorfismos, eletrocardiograma e ecocardiograma. Realizaram também a pesquisa da mutação no gene afetado, que se mostrou negativa. Concluiu-se que se tratava possivelmente de um caso esporádico, consequente a uma mutação nova. Quando os pais não são afetados, o risco da SN nos irmãos é baixo (menor que 1%), embora ainda maior que o da população geral, devido à possibilidade de mosaicismo gonadal. Vale salientar que os filhos de um indivíduo com SN têm 50% de chance de herdar a variante patogênica. Nesse cenário, recomenda-se que o casal tenha uma gravidez planejada, com aconselhamento genético prévio. |
CONCLUSÃO |
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A crescente disponibilidade dos testes genéticos vem trazendo um grande avanço no diagnóstico e na melhor caracterização das síndromes genéticas. A suspeita e a correta identificação de uma doença e o atual conhecimento de relações entre genótipo e fenótipo permitem prever as possíveis alterações clínicas presentes, levando a uma investigação consistente e a um tratamento multidisciplinar oportuno das diferentes comorbidades. |
Assessoria Médica |
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Cardiologia Dra. Solange B. Tatani [email protected] Dr. Valdir A. Moisés [email protected] Endocrinologia Dr. José Viana Lima Junior [email protected] Dra. Maria Izabel Chiamolera [email protected] Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra [email protected] Dra. Rosa Paula Mello Biscolla [email protected] Genética Dr. Caio Robledo C. Quaio [email protected] Dr. Carlos Eugênio Fernandez de Andrade [email protected] Dr. Wagner Antonio R. Baratela [email protected] Radiologia Dr. Mario Barreto d´Ávila [email protected] Dr. Shri Krishna Jayanthi [email protected] |
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