Síndrome pós-Covid-19

Evidências crescentes sugerem que mais de 20% das pessoas infectadas pelo Sars-CoV-2

Paciente masculino, 40 anos, com queixa de disp - neia aos esforços, fadiga e cefaleia, iniciada 15 dias antes da consulta. Relatava ter recebido diagnóstico de Covid-19 havia cerca de um mês, confirmado por RT-PCR. Os sintomas iniciais foram febre (38,5 oC), fraqueza, dor de garganta, anosmia e cefaleia. Entre a segunda e terceira semanas, surgiram dor abdo - minal, náuseas e vômitos. Os exames laboratoriais feitos nessa segunda oportunidade acusaram as al - terações abaixo. O ECG e a radiografia de tórax esta - vam normais.

  • Hemograma com linfopenia = 700 células/mm 3 (VR em homens = 900-2.900 céls./mm 3 )
  • VHS = 75 mm/h (VR em homens = até 15 mm/h)
  • Ureia = 50 mg/dL (VR = 13-43 mg/dL)
  • Creatinina = 1,8 mg/dL (VR em homens = 0,7-1,3 mg/dL)

O paciente foi orientado a permanecer em re - pouso e recebeu prescrição de medicamentos sin - tomáticos. Mas o quadro persistiu. A partir da sexta semana após o início dos sintomas, passou a apre - sentar insônia, dores articulares e piora da dispneia e da fadiga, além de não conseguir executar atividades da vida diária, como tomar banho.

Diante disso, em que pensar? Os sintomas decor - rem da Covid-19 ou se trata de uma nova síndrome?

Definição

Não importa sua especialidade médica, você já deve ter recebido pacien - tes diagnosticados com Covid-19, no ano passado ou neste ano, e que referiram algum tipo de mal-estar, semelhante ao caso clínico que abre o presente texto. De fato, mais de 20% dos indivíduos infectados pelo Sars-CoV-2 evoluem para a síndrome pós-Covid-19, também denomi - nada Covid-19 longa. As manifestações que se seguem à resolução da infecção aguda podem durar de 4 a 12 semanas e muitas vezes chegam a se prolongar por ainda mais tempo.

O National Institute for Health and Care Excellence (Reino Unido) divi - de esses casos em dois grupos. O primeiro é o da Covid-19 subaguda, ou Covid-19 sintomática em progressão ou, ainda, síndrome pós-Covid-19 aguda, que contempla sintomas persistentes e/ou tardios ou complica - ções presentes entre 4 e 12 semanas após o início da infecção. As mani - festações mais comuns englobam fadiga e distúrbios do sono. Já o se - gundo grupo corresponde à síndrome pós-Covid-19, ou Covid-19 crônica, que envolve a presença de queixas ou alterações persistentes além de 12 semanas após o diagnóstico, descartadas outras hipóteses. Nesses casos, fadiga, ansiedade e dispneia estão entre as queixas mais recorrentes. 

Por sua vez, o National Institute of Health utiliza a definição sugerida pelo Centers for Disease Control and Prevention (EUA), segundo a qual a Covid-19 longa consiste em diferentes condições físicas, mentais e emo - cionais, experimentadas pelos pacientes, que se estendem além de qua - tro semanas após a infecção inicial.

Qualquer que seja a definição, em comum esses indivíduos têm o fato de não se sentirem mais hígidos. Não por acaso, cerca de 10-20% deles são novamente internados dentro de 30 a 60 dias depois do começo dos sintomas. Os fatores de risco para o quadro incluem ida - de acima de 65 anos e presença de comorbi - dades, tais como doença pulmonar crônica, insuficiência cardíaca, diabetes mellitus com complicações, doença renal crônica e obesida - de. Na reinternação, os principais diagnósticos encontrados costumam abranger sepse, pneu - monia, insuficiência cardíaca, tromboembolis - mo, arritmias cardíacas e infarto do miocárdio. 

Preditores para a síndrome pós-Covid-19 *

  • Gênero feminino
  • Mais de cinco sintomas durante a fase aguda
  • Gravidade da Covid-19 na fase inicial

*Pode acometer pacientes que tiveram doença de intensidade leve a moderada e que foram tratados ambulatorialmente.



Fisiopatologia

Já se sabe que o Sars-CoV-2 entra na célula hospedeira através do receptor da enzima conversora da angiotensina (ECA2), expresso no cérebro, no coração, nos pulmões e no intestino.

Sob condições fisiológicas, a ECA2 converte a angiotensina II (vasoconstritora) em angiotensina I, que antagoniza os efeitos da primeira.

Na Covid-19, o Sars-CoV-2 regula negativamente a expressão de ECA2, promovendo o acúmulo de angiotensina II e a consequente deterioração progressiva das funções fisiológicas.

Além do comprometimento pulmonar, observa-se o acometimento do sistema cardiovascular, provavelmente multifatorial, que pode resultar tanto de um desequilíbrio entre alta demanda metabólica e baixa reserva cardíaca quanto de inflamação sistêmica e trombogênese, com possibilidade também de ocorrer por lesão direta cardíaca causada pelo vírus.

Esse dano ao sistema cardiovascular decorrente da Covid-19 é visto sobretudo nos pacientes com fatores de risco cardiovascular (idade avançada, hipertensão e diabetes) ou com doença cardiovascular prévia.

O fator estresse, presente na Covid-19, tem sido implicado no aumento na incidência da cardiomiopatia por estresse e da síndrome de Takotsubo, ou síndrome do coração partido. Predominante no gênero feminino (75% dos casos), a síndrome de Takotsubo se caracteriza por disfunção ventricular transitória, na ausência de coronariopatia obstrutiva.

Mecanismos propostos para lesão cardíaca

Lesão direta mediada pela ECA2 por meio da proteína spike do Sars-CoV-2:

  • Alta afinidade do vírus pela ECA2
  • Expressão reduzida da ECA2
  • Desregulação do sistema-renina- -angiotensina-aldosterona

Mecanismos indiretos de lesão cardíaca

Lesão miocárdica induzida por hipóxia:

  • Estresse oxidativo
  • Acidose intracelular
  • Lesão mitocondrial

Lesão cardíaca microvascular e macrovascular:

  • Hipoperfusão
  • Hiperpermeabilidade vascular
  • Angiospasmo
  • Hipercoagulabilidade e trombose

Síndrome da resposta inflamatória sistêmica:

  • Tempestade de citocinas
  • Desregulação das células do sistema imunológico
  • Processo inflamatório descontrolado




Na resposta inflamatória sistêmica provocada pela infecção pelo Sars-CoV-2, há concentrações mais altas de citocinas, que estão relacionadas à lesão do sistema cardiovascular. O aumento de troponina é acompanhado pela elevação de outros marcadores inflamatórios, como dímeros D, ferritina, interleucina 6 (IL-6), desidrogenase láctica (DHL), proteína C reativa (PCR), procalcitonina e número de leucócitos.

Além disso, nos pacientes com Covid-19, os níveis de peptídeo natriurético tipo B (BNP) e cadeia N-terminal inativa do pró-BNP (NT-proBNP), marcadores de disfunção miocárdica, também aumentam. Esse achado reforça que aqueles que apresentam lesão miocárdica estão mais propensos a desenvolver comprometimento da função cardíaca.

Quanto ao estado de hipercoagulabilidade, discute-se o papel do endotélio e de suas funções anticoagulante, antitrombótica e pró-fibrinolítica. Estimulado por citocinas pró-inflamatórias e pelo próprio Sars-CoV-2, o endotélio se torna ativado, ainda que não tenha ocorrido sua ruptura, expondo moléculas de adesão, como e-selectina e p-selectina. A essas moléculas se ligam leucócitos, que, por sua vez, passam a expressar o fator tecidual, com ativação do fator VII.

Esse processo resulta na geração de trombina, que promove a formação dos trombos ricos em fibrina. Em decorrência da endotelite, o fator de von Willebrand também passa a ser expresso em maior quantidade, aumentando a interação com as plaquetas e contribuindo, assim, para a formação do trombo plaquetário. Quando ativado, o endotélio pode produzir o inibidor do ativador de plasminogênio tipo 1, que antagoniza as propriedades fibrinolíticas feitas pelo ativador de plasminogênio tecidual e pelo ativador de plasminogênio do tipo uroquinase. Portanto, embora o endotélio seja programado para combater a formação e o acúmulo de trombos, se acionado por sinais inflamatórios ou infecciosos, pode exercer uma função contrária.

A presença de comorbidades, como câncer, e a própria imobilidade e a idade avançada são fatores de risco adicionais importantes para trombose.


Quadro clínico



Além das queixas respiratórias, manifestações cardíacas têm sido observadas na síndrome pós- -Covid-19, como a miocardite, identificada em 78% dos pacientes, independentemente das condições preexistentes, gravidade e curso da apresentação inicial, bem como da presença de sintomas cardíacos no começo do quadro. A arritmia pode ser o primeiro sinal – com destaque para fibrilação atrial e taquicardia ventricular –, levando a queixas de dor torácica e palpitações.



Atividade física pós-Covid-19

Deve-se ressaltar que indivíduos em fase aguda da doença e/ou sintomáticos não podem praticar atividades físicas, que são indicadas, no mínimo, após 14 dias do diagnóstico, nos assintomáticos, ou 14 dias após a resolução do quadro clínico, nos sintomáticos, desde que um cardiologista as tenha liberado. A prescrição de exames igualmente varia de acordo com a gravidade do quadro clínico, que pode ser leve, moderado e grave, conforme o histórico apresentado.

Exames para avaliação pré-atividade física

Teste ergométrico

As queixas de cansaço e de dor torácica estão entre as mais frequentes na síndrome pós-Covid-19. Dessa forma, o teste ergométrico (TE) tem várias indicações, desde o esclarecimento dessas manifestações até a avaliação para a prática esportiva, com determinação da capacidade funcional, identificação precoce de doenças cardiovasculares e arritmias e avaliação do prognóstico. Nos esportistas que tiveram Covid-19, destaca-se a importância da presença de alterações do segmento ST e de arritmias durante ou após o esforço, além da quantificação da capacidade funcional atingida – que, no entanto, é mais bem estudada pelo teste cardiopulmonar de exercício. Do mesmo modo que no ECG de repouso, a comparação com exames anteriores se mostra relevante na interpretação dos achados do TE.

Holter de 24 horas

O exame identifica arritmias como causa de palpitação, uma das principais queixas pós-Covid-19, ou mesmo nos assintomáticos, em casos específicos em que haja suspeita de lesão miocárdica e sequelas. A presença de arritmias configura um dos critérios de avaliação prognóstica e de elegibilidade para o retorno à prática esportiva em pacientes com diagnóstico de miocardite.

Ecocardiograma transtorácico

Antes da prática de exercícios, o ecocardiograma pode ser necessário para esclarecer a fadiga e o cansaço, assim como sinais indicativos de lesão miocárdica ou miocardite, como dispneia, ortopneia, pressão elevada na jugular, edema periférico, crepitação inspiratória e ritmo de galope ou novos murmúrios. Se houver a possibilidade de comparação com teste prévio, qualquer nova alteração deve ser considerada anormal. Entretanto, ainda que um exame anterior não esteja disponível, alterações na contratilidade global ou segmentar do ventrículo esquerdo ou direito (fração de ejeção ≤50% ou Tapse ≤17 mm), dilatação de câmaras cardíacas, presença de trombos cavitários e derrame pericárdico podem estar relacionados com miopericardite. Além do ecocardiograma convencional, a avaliação cardíaca por meio de novas tecnologias oferecidas pelo método, como o strain bidimensional longitudinal, possibilita o estudo da contratilidade miocárdica de modo objetivo, quantitativo e precoce.

Ressonância magnética do coração

De acordo com a AHA/ACC, em atletas com sintomas moderados a graves ou que não se resolveram, é necessária uma extensa estratificação de risco cardiovascular, incluindo ECG, biomarcadores e ecocardiograma. Se o teste for normal, os atletas podem retornar ao treinamento gradualmente com supervisão de treinadores esportivos, enquanto o teste anormal ou o desenvolvimento de novos sintomas cardiovasculares justificam a repetição de biomarcadores e a realização da ressonância magnética do coração (RMC). Alguns autores, por outro lado, recomendam que todos os atletas de elite passem por um estudo de RMC antes de retornar às atividades físicas competitivas.



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