Sintomas articulares: sempre um desafio para o clínico | Revista Médica Ed. 2 - 2015

Como diferenciar artrite decorrente de Chikungunya das demais formas e causas dessa condição.

Em tempos de Chikungunya, nem toda queixa dessa natureza pode ser o que parece


Frequente nos consultórios, as queixas articulares são importantes pela grande diversidade de causas que podem motivá-las, variando desde um quadro autolimitado até doenças crônicas e incapacitantes.


Nos pacientes com artrite, a história clínica e o exame físico têm extrema importância na avaliação inicial. Assim, além de determinar as características da queixa, a anamnese precisa considerar a presença de manifestações extra-articulares ou constitucionais e procurar comorbidades associadas, uso de medicações, antecedentes familiares e relatos de traumas e viagens, bem como levar em conta a situação epidemiológica local.


Principais causas associadas à artrite
  • Infecciosa: viral, bacteriana, fúngica e por micobactérias
  • Doenças reumáticas autoimunes: artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, síndrome de Sjögren, esclerose sistêmica e miopatias inflamatórias
  • Osteoartrose
  • Artropatias por cristais
  • Vasculites primárias
  • Espondiloartrites:
    espondilite anquilosante, artrite psoriásica, artrite reativa e artrite relacionada à doença inflamatória intestinal
  • Neoplasias
  • Outras


Nas poliartrites agudas, as infecções virais e a artrite reumatoide constituem os principais diagnósticos diferenciais. Na prática, as síndromes virais agudas podem simular a artrite reumatoide no início da sua evolução e, embora a grande maioria das poliartrites causadas por vírus se resolva num prazo de dias a poucas semanas, há casos em que o sintoma articular persiste por meses ou anos, como ocorre na febre Chikungunya, uma preocupação crescente em nosso meio. Portanto, a investigação e o seguimento desses pacientes devem ser criteriosos para distinguir adequadamente os quadros e instituir o tratamento individualizado.


Vírus potencialmente causadores de artrite
  • Alfavírus: Cem nosso meio, destacam-se ohikungunya e os da dengue
  • Vírus associados a hepatites: A, B e C
  • Togavírus: rubéola
  • Retrovírus: HIV
  • Parvovírus: principalmente o eritrovírus B19 (antigo parvovírus)
  • Herpes-vírus: vírus Epstein-Barr, citomegalovírus e varicela
  • Paramixovírus: caxumba


Um novo componente na investigação das artrites


A disseminação global do vírus Chikungunya (CHIKV) trouxe mais um desafio para o clínico. O acometimento reumatológico após a infecção por esse alfavírus vem ganhando destaque atualmente na literatura, já que os sintomas articulares próprios da doença viral podem se estender por meses ou anos após o quadro infeccioso e, para piorar, compartilham algumas características com a artrite reumatoide.


Sabe-se que a maioria dos pacientes infectados pelo CHIKV apresenta, após um período de incubação de três a sete dias, uma síndrome de artralgia febril aguda, associada a exantema maculopapular e manifestações inespecíficas – que usualmente se resolvem em menos de duas semanas –, mas pode evoluir, principalmente em adultos, para um quadro articular crônico e, algumas vezes, provocar sintomas incapacitantes.


No estágio agudo, o acometimento articular pela infecção por CHIKV é geralmente simétrico, envolvendo tanto grandes quanto pequenas articulações. A artralgia ocorre comumente nos joelhos, punhos, cotovelos, dedos e tornozelos, costumando cursar com edema. Segundo dados da literatura, mais de 64% dos pacientes mantêm rigidez ou dor articular por mais de um ano após o início da infecção.


A artrite crônica, com manifestações variáveis, igualmente tem sido bem documentada em uma parcela significativa dos casos.


 

Radiografia em cores mostra erosão de articulações do joelho. Artrite reumatoide ou Chikungunya?
SPL/DC LATINSTOCK

 

Apesar de a inflamação simétrica também ser mais observada nesses pacientes, ela pode ser assimétrica e, até mesmo, oligo ou monoarticular. O quadro se assemelha ao da manifestação inicial da artrite reumatoide, tanto que há relatos de pacientes que preenchem os critérios do Colégio Americano de Reumatologia para essa doença após a infecção pelo CHIKV. Da mesma forma, descrevem-se deformidades e limitações articulares, embora menos graves que as observadas na artrite reumatoide.


Diagnóstico laboratorial da febre Chikungunya
A confirmação dos casos suspeitos é feita pela detecção do RNA do CHIKV em soro ou plasma por PCR, teste disponível na rotina do Fleury. A PCR tem altíssima sensibilidade desde o início dos sintomas, atingindo seu pico no quinto dia após a febre ter começado, quando, então, a viremia declina lentamente, embora a técnica ainda possa ser usada para diagnóstico em até dez dias de evolução. A partir desse momento, recomenda-se a utilização de testes sorológicos, já que pacientes sintomáticos por um período superior a uma semana já produzem anticorpos que neutralizam o vírus. A IgM persiste por até três meses após os primeiros sintomas, enquanto a IgG pode ser encontrada nos indivíduos em recuperação, mantendo-se por anos.
Na forma crônica da Chikungunya, apesar de a viremia voltar a ser detectável durante os surtos de agudização da artrite após a infecção, a IgM pode não mais estar presente para distinguir a doença em atividade de infecção pregressa resolvida. Nessa situação, o teste molecular por PCR torna-se fundamental para o diagnóstico diferencial das artrites.
Já entre os exames gerais e inespecíficos, o hemograma, na fase aguda da infecção, pode evidenciar linfopenia importante e plaquetopenia, geralmente leve, embora outras alterações, como leucopenia e neutropenia, também sejam vistas em alguns casos. Existe ainda a possibilidade de elevação das transaminases, da creatinina e da creatinoquinase.
Um estudo de casos realizado na Índia observou que a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C reativa (PCR) permanecem elevadas, na maioria dos pacientes, durante os primeiros meses de doença. Sugere-se que valores alterados de PCR e transaminases, assim como níveis reduzidos de neutrófilos e cálcio sérico, associem-se a uma infecção mais grave.


Assessoria Médica
Infectologia
Dra. Carolina dos Santos Lázari
Dr. Celso Granato
Reumatologia
Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade
Dr. Sandro Félix Perazzio