Técnicas avançadas na avaliação dos tumores do sistema nervoso central

Avanços em RM fornecem dados complementares para subsidiar o tratamento.

Os estudos de imagem, em especial a ressonância magnética (RM), desempenham papel fundamental na avaliação das neoplasias do sistema nervoso central (SNC). Enquanto as técnicas convencionais de RM fornecem informações anatômicas indispensáveis, os avanços tecnológicos expandem nosso leque de opções com a utilização de ferramentas com potencial de avaliação de parâmetros funcionais cerebrais.

Princípios físicos básicos das técnicas avançadas de RM

■ Difusão por RM (DWI)

Avalia, no tecido, o movimento browniano aleatório das moléculas de água. Os tecidos com densidade celular elevada, como os tumores de alto grau, ou aqueles com edema celular citotóxico, como os que sofreram infarto agudo, apresentam restrição à difusão das moléculas de água e, consequentemente, coeficientes de difusão mais baixos.

A difusão pode ser medida por mapas de coeficiente de difusão aparente (ADC). Ao contrário da difusão essencialmente livre de moléculas de água mantidas dentro de um recipiente, a de moléculas do tecido cerebral é dificultada pelos limites da membrana celular. A redução dos valores de ADC observada em tumores provém do aumento da densidade celular e do conteúdo de água no compartimento intracelular, cuja difusão é restrita pelas organelas, com diminuição do espaço extracelular, em especial em lesões de alto grau, como linfomas, meduloblastomas e glioblastomas.

■ Tractografia de tensor de difusão (DTI)

Fornece informações em um espaço tridimensional da variação direcional de difusão de moléculas de água, facilitada no sentido dos tratos de substância branca. Assim, permite representar a organização dos tratos de substância branca em mapas esquemáticos direcionalmente codificados por cores, que possibilitam melhor planejamento cirúrgico na demonstração de infiltração e deslocamento de tratos eloquentes, de modo a evitar que o acesso cirúrgico acrescente morbidade ao paciente.

■ Espectroscopia por RM

Trata-se de uma avaliação bioquímica não invasiva do tecido encefálico, cujo princípio básico é que a distribuição de elétrons dentro de um átomo leva os núcleos em diferentes moléculas a experimentarem um campo magnético ligeiramente distinto, com reflexo no sinal de retorno captado pelo equipamento. Como resultado, obtêm-se gráficos de concentração relativa de metabólitos, em técnica idêntica à usada em química analítica.

Lesões neoplásicas se caracterizam por redução do pico de n-acetilaspartato (NAA) – um marcador de população/função neuronal –, com elevação do pico de colina (Cho) e suas relações – um marcador de densidade celular e multiplicação de membranas. Relações de Cho/NAA superiores a 2,2 podem ajudar a presunção diagnóstica de uma neoplasia de alto grau em detrimento das de baixo grau ou pseudotumorais. Além disso, as neoplasias de alto grau tendem a apresentar aumento dos picos de lipídios e lactato, que, na maioria das vezes, estão ausentes nas de baixo grau.

■ Perfusão por RM

Avalia, de forma dinâmica, a primeira passagem do gadolínio (Gd) no leito microvascular. No estudo de tumores do SNC, destaca-se a técnica de contraste dinâmico de suscetibilidade, baseada na perda de sinal induzida por suscetibilidade em sequências pesadas em T2 ecogradiente (T2*), resultante da passagem do Gd pelo leito capilar. A sequência de perfusão T2 permite a mensuração de diversos parâmetros semiquantitativos, como o volume sanguíneo cerebral relativo (rCBV), diretamente relacionado com a proliferação microvascular, um dos principais atributos histológicos de agressividade biológica.

Por outro lado, a utilização de sequências de perfusão pesadas em T1, conhecida por técnica DCE (do inglês, dynamic contrast enhanced), possibilita a estimativa da permeabilidade capilar e disfunção da barreira hematoencefálica. Embora a permeabilidade seja independente do volume sanguíneo, suas medidas estão fortemente correlacionadas com o rCBV, em especial em gliomas de alto grau, provavelmente como consequência da corregulação da neoangiogênese e do aumento da permeabilidade vascular por fatores pró-angiogênicos, como o fator de crescimento endotelial vascular.

Existe ainda outra técnica de perfusão por RM – a ASL (do inglês, arterial spin labeling) –, que não utiliza o Gd. Em vez disso, o sangue do paciente é o traçador endógeno por meio da "marcação magnética" das moléculas de água nos vasos proximais com pulsos de radiofrequência.

Principais contribuições em neoplasias do SNC

⊲ Diagnóstico diferencial com lesões pseudotumorais

A diferenciação de lesões neoplásicas e pseudotumorais tem implicação na abordagem terapêutica, com óbvias repercussões sobre a conduta a ser tomada. As sequências funcionais de RM podem auxiliar o diagnóstico diferencial, já que não são raras as situações em que as sequências convencionais apresentam padrões sobreponíveis. Dentre os achados sugestivos de uma lesão pseudotumoral, destacam-se, como exemplos, a ausência de elevação de rCBV na sequência de perfusão em uma desmielinização pseudotumoral (figura 1), a restrição homogênea à difusão do conteúdo central de uma lesão com impregnação anelar e a presença de metabólitos anômalos às curvas espectrais em um abscesso piogênico (figura 2).

Figura 1. Desmielinização pseudotumoral. Imagens axiais FLAIR (A), T1 pós-Gd (B) e mapa de perfusão rCBV (C). Lesão expansiva frontal direita com impregnação anelar periférica. O diagnóstico diferencial com uma lesão tumoral é preterido devido aos baixos valores de perfusão tissular no mapa rCBV.



Figura 2. Abscesso piogênico. Imagens axiais FLAIR (A), T1 pós-Gd (B), DWI (C) e curva espectral (D). Formação expansiva parietoccipital esquerda com impregnação anelar periférica. A presença de conteúdo com sinal elevado homogêneo em difusão e de picos metabólitos anômalos, como alanina, acetato e succinato, além de lactato, permite o diagnóstico assertivo de abscesso piogênico, descartando a possibilidade de uma lesão tumoral glial de alto grau.


⊲ Avaliação da agressividade biológica de uma lesão tumoral e planejamento cirúrgico

A graduação dos gliomas difusos baseada apenas na interpretação da RM não é fidedigna, a ponto de se estimar a sensibilidade das sequências convencionais entre 55% e 88%. A dificuldade aumenta nos casos sem sinais sugestivos de agressividade biológica, como necrose macroscópica ou impregnação pelo Gd. A utilização das sequências funcionais, nesse contexto, tem sido defendida como ferramenta complementar de interpretação à avaliação histológica e genômica. Valores de rCBV superiores a 1,75 em relação à substância branca contralateral de aparência normal favorecem um glioma de alto grau em detrimento de uma lesão de baixo grau.

Outra possível contribuição das técnicas funcionais ocorre na avaliação da extensão do comprometimento neoplásico. Estudos de correlação histológica mostram que lesões gliais infiltrativas se estendem muito além dos limites de alteração de sinal identificadas nas sequências convencionais. O aumento do rCBV e as modificações da anisotropia fracionada nas margens de uma neoplasia de alto grau ratificam os achados histológicos (figura 3).


Figura 3. Glioblastoma. Imagens axiais FLAIR (A), T1 pós-Gd (B) e mapa de perfusão rCBV (C). Lesão expansiva frontoparietal esquerda com impregnação heterogênea delimitando áreas de necrose. A área de aumento da perfusão tissular (C) se entende muito além dos limites da impregnação anômala, até mesmo além dos limites da alteração de sinal na sequência FLAIR, envolvendo a cabeçado núcleo caudado e a porção anterior do putâmen.


As reconstruções tridimensionais de tractografia podem auxiliar o neurocirurgião no planejamento cirúrgico, em especial na identificação de repercussões de lesões expansivas sobre os principais tratos de substância branca, para que estes sejam evitados e não se acrescente morbidade ao procedimento (figura 4).


Figura 4. Glioblastoma. Imagens sagital FLAIR (A), axial T1 pós-Gd (B), tensor de difusão (C) e reformatação 3D dos tratos de substância branca (D). Lesão expansiva subcortical insular esquerda com impregnação anelar periférica delimitando áreas de necrose. As sequências de tractografia demonstram as repercussões sobre o trato corticoespinal (em azul, seta em C), deslocado posterior e medialmente.


No grupo pediátrico, a avaliação de tumores da fossa posterior infratentorial é outro exemplo da utilização da sequência de difusão na avaliação de agressividade biológica e no diagnóstico diferencial de lesões expansivas. Tumores com elevadas celularidade e relação núcleo/citoplasma, como o meduloblastoma e o teratoide rabdoide atípico, são prontamente diferenciados de lesões paucicelulares, como o astrocitoma pilocítico, que tem a difusão facilitada (figura 5).


Figura 5. Astrocitoma pilocítico (A e B) e meduloblastoma (C e D). Imagens axiais ponderadas em difusão (A e C) e mapas ADC (B e D). Lesões expansivas na fossa posterior infratentorial ocupando o quarto ventrículo. Nota-se expressiva diferença da difusão das moléculas de água do componente tumoral sólido entre o astrocitoma pilocítico e meduloblastoma, facilitado no primeiro e bastante restrito no segundo em virtude de suas elevadas celularidade e relação núcleo/citoplasma.


⊲ Orientação de biópsia estereotáxica

Se, por um lado, a amostra tecidual de neoplasias do SNC é essencial para o diagnóstico e a decisão terapêutica, por outro, deve-se reconhecer a usual heterogeneidade histológica característica dos gliomas difusos, as mais prevalentes neoplasias primárias em adultos.

Os procedimentos de biópsia estereotáxica realizados sob orientação de estudos de imagem são tipicamente direcionados a focos de impregnação anômala, na premissa de que representam a porção da neoplasia de maior agressividade histológica.

As sequências de perfusão e difusão podem contribuir nessa seleção, direcionando a coleta de material para regiões com aumento do rCBV na sequência de perfusão ou de maior restrição à difusão, atributos diretamente relacionados, respectivamente, com proliferação microvascular e aumento da densidade celular. Reconhecendo que até um terço dos tumores de alto grau não apresenta impregnação pelo Gd, a utilização de tais técnicas pode ser essencial para evitar erros de amostra capazes de subestimar a graduação histológica (figura 6).


Figura 6. Astrocitoma. Imagens axiais FLAIR (A), T1 pós-Gd (B) e mapa de perfusão rCBV (C). Lesão expansiva temporal esquerda sem impregnação pelo Gd. O foco de elevação do rCBV no polo temporal (seta em C) deve ser apontado como foco de eleição para biópsia estereotáxica, pois se correlaciona com as áreas de anaplasia em meio a uma lesão com reconhecida heterogeneidade histológica.


⊲ Avaliação de resposta ao tratamento

A avaliação pós-operatória de lesões neoplásicas do SNC é um grande desafio, já que alterações vasculares e inflamatórias determinadas pela manipulação cirúrgica somam-se às modificações induzidas pelo tratamento coadjuvante com quimioterapia e radioterapia. Como consequência, não são raras as lesões no leito cirúrgico que simulam recorrência ou progressão tumoral, como radionecrose e pseudoprogressão, situações indistinguíveis às sequências convencionais de RM.

As sequências avançadas favorecem essa avaliação, reduzindo a possibilidade de intervenções cirúrgicas desnecessárias ou modificações do esquema terapêutico para drogas de segunda linha na presunção de falha terapêutica (figura 7).


Figura 7. Pós-operatório de glioblastoma evoluindo com pseudoprogressão. Imagens axiais FLAIR (A, D, G e J), T1 pós-Gd (B, E, H e K) e mapa de perfusão rCBV (C, F, I e L). Lesão expansiva temporal esquerda com necrose central e elevação do rCBV, submetida a cirurgia e tratamento coadjuvante com temodal e quimioterapia. O novo exame com quatro meses de evolução (D-F) exibe lesão expansiva no lobo temporal, cujas dimensões são ainda maiores que as observadas no estudo pré-operatório. Entretanto, chama a atenção o fato de não haver significativa elevação do rCBV (F), achado esperado para o caso de recidiva tumoral de alto grau. Sem nenhuma mudança do esquema terapêutico, os estudos evolutivos com cinco e sete meses demonstram a progressiva redução das dimensões da lesão expansiva, dos quais o último já sem impregnação anômala pelo Gd, permitindo o diagnóstico retrospectivo de pseudoprogressão, que pode ser suspeitada desde o exame do quarto mês pela ausência de aumento do rCBV.

No pós-operatório imediato, a sequência de difusão é bastante relevante na identificação de alterações de natureza microisquêmica secundárias à manipulação cirúrgica, que podem simular recorrência tumoral em exames de controle evolutivo, com quebra de barreira hematoencefálica.


CONSULTORIA MÉDICA

Neuroimagem

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