Da infância até a adolescência, o sono tem papel fundamental na manutenção da plasticidade cerebral que acompanha o neurodesenvolvimento, interferindo ainda na imunidade, nas funções cardiovasculares e no crescimento.
Apesar disso, os transtornos do sono têm alta prevalência na população infantojuvenil, tanto que se estima que pelo menos 25% das crianças sejam afetadas por essas condições em algum momento da infância.
Desde a década de 1970, há menções sobre o sono agitado na literatura científica como uma queixa frequente na prática pediátrica, embora isso costumasse ser descrito historicamente como um sintoma de outras enfermidades.
O tema foi ganhando interesse e, em 2018, trabalhos considerando o “transtorno do sono agitado” (tradução de restless sleep disorder) como uma condição singular começaram a emergir, culminando, em 2020, na publica - ção do “Consenso para critérios diagnósticos de um novo transtorno do sono em pediatria: o transtorno do sono agitado”.
O artigo, elaborado por especialistas em Medicina do Sono a partir de extensa revisão da literatura e revisado pelo Comitê Executivo do Grupo Internacional de Estudo da Síndrome das Pernas Inquietas, concluiu que existem evidências suficientes para a classificação do quadro como uma nova entidade clínica que não se enquadra em outros diagnósticos e compromete de modo significativo o sono e o de - sempenho diurno dos indivíduos acometidos.
A partir do consenso, o transtorno do sono agitado deve ser cogitado em crianças e adolescentes de 6 a 18 anos na presença de critérios clínicos específicos, obtidos sobretudo a partir da história médica e confirmados pela videopolissonografia, que configura exame necessário para a identificação adequada da condição.
Os estudos sobre o tema têm trazido novas perspectivas para um quadro pediátrico que parece frequente. Espera-se que pesquisas e diretrizes adi - cionais auxiliem, em um futuro próximo, a definir as melhores formas de tratamento para a condição. Por enquanto, há oito critérios essenciais que precisam estar presentes para orientar o diagnóstico.
Critérios para o diagnóstico do sono agitado em crianças e adolescentes
1 . Queixa de sono agitado ou inquieto relatada pelo pró - prio paciente ou pelos pais/cuidadores. Outras formas de descrição também são usadas para relatar o sono agitado, indicando que a criança se movimenta por toda a cama ou evidenciando o estado da cama quando a criança acorda.
2. Presença de movimentação excessiva durante o sono, que envolve os grandes grupos musculares – o corpo inteiro ou os quatro membros. Destacam-se os movimentos visíveis, que podem ser caracterizados como reposiciona - mento frequente, bagunça na roupa de cama ou até mes - mo queda.
3. Ocorrência dos movimentos durante o sono ou quando a criança está adormecendo, de modo a demonstrar que se trata de um transtorno do sono. Movimentos ou agitação da criança enquanto acordada não devem ser levados em consideração.
4. Documentação do quadro por meio da videopolissono - grafia, que registra um índice total de cinco ou mais grandes movimentos corporais por hora de sono. Além de detectar e quantificar objetivamente os movimentos, o exame os diferencia daqueles relacionados a eventos respiratórios, crises epilépticas, síndrome das pernas inquietas, movimentos periódicos dos membros, tremor hipnagógico dos pés, ativação muscular alternante das pernas ou transtorno de comportamento do sono REM.
5 . Ocorrência dos sintomas pelo menos três vezes por semana. Contudo, como a síndrome do sono agitado é tipicamente descrita como uma condição presente em todas as noites, a videopolissonografia de apenas uma noite costuma ser suficiente para o correto diagnóstico.
6. Presença do sono agitado por um período mínimo de três meses. A duração da condição é um critério importante, uma vez que se relaciona à cronicidade, excluindo quadros associa - dos a eventos transitórios, como processos infecciosos.
7. Prejuízo significativo no comportamento, no aprendizado, no desempenho escolar e na habilidade social por conta de sonolência diurna, irritabilidade, fadiga, alterações de humor, impulsividade e falta de concentração, entre outras manifestações.
8. Impossibilidade de explicar a condição por outros transtornos do sono, como apneia obstrutiva do sono, síndrome das pernas inquietas, movimentos periódicos dos membros, insônia ou outros aspectos, a exemplo de doenças psiquiátricas e neurológicas, fatores ambientais ou efeito fisiológico de alguma substância.
Convém adicionar que outras duas características que não são necessárias para o diagnóstico do transtorno do sono agitado ainda podem auxiliar a confirmação do quadro: a ocorrência dos movimentos geralmente ao longo de toda a noite, tanto no sono não REM quanto no REM, e a ausência de atraso para o início do sono.
Apneia obstrutiva do sono: um dos principais diagnósticos diferenciais do sono agitado na infância
Com uma prevalência de 2% a 4%, que vem aumentando, a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) em crianças é uma condição grave, caracterizada por eventos recorrentes de obstrução parcial ou total das vias aéreas superiores durante o sono, que comprometem a ventilação normal e levam à agitação, à dessaturação de oxigênio apesar do esforço respiratório e ao despertar.
Na infância, a SAOS está associada a uma fisiopatologia multifatorial, sendo a causa mais comum a hipertrofia das adenoides e das amígdalas, o que faz o quadro ser mais frequente entre 2 e 8 anos de idade. Outros fatores como obesidade e exposição à fumaça de cigarro são considerados de risco, além de condições como anormalidades craniofaciais, trissomia do cromossomo 21 e doenças neuromusculares, que aumentam a prevalência da síndrome.
Devido à alta morbidade da SAOS, que se relaciona com alterações neurocomportamentais, cardiovasculares, piora da qualidade de vida da criança e da família e aumento das visitas a serviços de saúde, o diagnóstico precoce e correto do quadro é fundamental. Nesse contexto, a Academia Americana de Pediatria recomenda que seja feita uma triagem para SAOS, baseada na história clínica e no exame físico, em toda consulta pediátrica de rotina.
Os principais sinais que sugerem a investigação incluem queixas de roncos e dificuldade para respirar ao dormir, sono agitado e pausas respiratórias ou despertares frequentes, além das manifestações diurnas como sonolência excessiva, agressividade, hiperatividade, impulsividade, déficit de atenção e prejuízo das funções executivas, do aprendizado ou da linguagem. Ao exame físico, podem ser evidentes sinais como obstrução nasal, respiração oral, hipertrofia das amígdalas, fácies adenoidiana e dismorfismos secundários a síndromes genéticas.
Diante da suspeita, a avaliação com especialista é sempre importante, assim como a realização da polissonografia, o padrão-ouro para o diagnóstico e a determinação da gravidade da SAOS. De acordo com o caso, pode haver necessidade de outros exames.
Sono agitado e movimentos dos membros? Pensar em síndrome das pernas inquietas
A síndrome das pernas inquietas (SPI) é uma condição sensório-motora que, apesar de mais frequente em adultos acima dos 40 anos, atinge cerca de 2% a 4% da população pediátrica, sobretudo adolescentes.
As crianças com parentes de primeiro grau com a síndrome e com doença renal crônica parecem ter maior risco de desenvolver o quadro e de 12% a 35% daquelas com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade apresentam SPI.
Como principal sintoma relatado está a sensação desconfortável nos membros inferiores ao ficar parado ou deitado, que provoca uma necessidade incontrolável de movimentar as pernas para obtenção de alívio.
Uma vez que frequentemente piora à noite ou ao repouso, a SPI causa dificuldade para iniciar e manter o sono, embora possa também ocorrer durante o dia, em períodos em que a criança fica sentada ou inativa por tempo prolongado.
O diagnóstico é clínico, baseado na história médica, e deve levar em consideração determinados critérios.
Critérios diagnósticos para a síndrome de pernas inquietas em crianças
■ Necessidade ou urgência de movimentar as pernas, decorrente de uma sensação incômoda ou desconfortável
■ Presença ou piora dos sintomas exclusivamente durante o repouso ou a inatividade, com a criança sentada ou deitada
■ Alívio parcial ou total dos sintomas obtido com o movimento
■ Ocorrência das manifestações majoritariamente durante a noite
■ Prejuízo do sono ou do desempenho diurno pelos sintomas
■ Ausência de explicação das manifestações clínicas por outras doenças ou condições
■ Necessidade de descrição do quadro pela criança
A polissonografia infantil no Fleury
Recurso diagnóstico não invasivo, a polissonografa tem grande utilidade na investigação de diversos distúrbios do sono em adultos e crianças.
No Fleury Kids, o exame é sempre acompanhado por vídeo e pode ser feito a partir dos 6 anos de idade na Unidade República do Líbano I, que conta com equipe especializada e estrutura completa para esse tipo de avaliação.
Ao longo de uma noite, a polissonografia monitora os seguintes parâmetros fisiológicos:
⊲ Atividade elétrica cerebral pelo eletroencefalograma
⊲ Atividade cardíaca pelo eletrocardiograma
⊲ Respiração, movimentos respiratórios toracoabdominais e gases sanguíneos
⊲ Movimentação ocular por eletro-oculograma
⊲ Movimentação dos membros
⊲ Movimentação da musculatura submentoniana
Referências
• DelRosso LM, Ferri R, Allen RP, Bruni O, Garcia-Borreguero D, Kotagal S, Owens JA, Peirano P, Simakajornboon N, Picchietti DL; International Restless Legs Syndrome Study Group (IRLSSG). Consensus diagnostic criteria for a newly defined pediatric sleep disorder: restless sleep disorder (RSD). Sleep Med. 2020 Nov; 75: 335-340.
• Deshpande P, Salcedo B, Haq C. Common Sleep Disorders in Children. Am Fam Physician. 2022 Feb 1; 105(2): 168-176.
• Bitners AC, Arens R. Evaluation and Management of Children with Obstructive Sleep Apnea Syndrome. Lung. 2020 Apr;198(2):257-270.
• Blog Sono e Medicina. Dra. Rosana Cardoso Alves. Disponível em https://sonoemedicina.com.br/. Acessado em fevereiro/2023
CONSULTORIA MÉDICA
Dra. Rosana S. Cardoso Alves
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