Tromboembolismo pulmonar crônico | Revista Médica Ed. 3 - 2016

Uso combinado de diferentes métodos de imagem ajuda a fechar diagnóstico e apressar a decisão terapêutica.

O Caso


Paciente do sexo feminino, 30 anos, portadora de lúpus eritematoso sistêmico (LES) e com diagnóstico prévio de hipertensão pulmonar (HP), feito três anos antes. Relatava antecedente de tromboembolismo pulmonar (TEP) agudo em junho de 2013. Evoluiu com dispneia progressiva e, no momento da consulta, encontrava-se em classe funcional III (NYHA modificado para HP). A ecocardiografia demonstrou pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) de 60 mmHg e fração de ejeção do ventrículo esquerdo de 70%, sem outras alterações significativas. Diante desses resultados, foram solicitados exames para definir a etiologia da HP.  

Cintilografia aponta múltiplos defeitos de perfusão.

Angiotomografia de artérias pulmonares realizada com sincronização por ECG. As setas em A e B mostram trombos na artéria interlobar descendente direita e oclusão de seus ramos segmentares. A seta curva em C assinala o desenvolvimento de circulação colateral brônquica para o lobo inferior direito. A imagem D evidencia aumento das cavidades cardíacas direitas, com alteração da relação VD/VE e desvio paradoxal do septo interventricular.

TC de dupla energia apresenta imagens de perfusão pulmonar com múltiplas áreas de hipoperfusão do parênquima pulmonar segmentares e subsegmentares. Note o extenso defeito de perfusão do lobo inferior direito e a boa correlação com a cintilografia. 

A Discussão

A hipertensão pulmonar

A HP é um termo utilizado para englobar uma série de condições distintas que têm em comum a elevação da pressão arterial pulmonar média (PAPm) acima de 25 mmHg, medida por meio do cateterismo direito em repouso. Pode ser pré-capilar e/ou pós-capilar e classificada em cinco grupos 

 GPD: gradiente de pressão diastólica; PoAP: pressão de oclusão da artéria pulmonar; RVP: resistência vascular pulmonar.

Classificação atual da HP
Grupo 1 - HAP
Grupo 2 – HP por doença cardíaca esquerda
Grupo 3 – HP por doenças pulmonares e/ou hipóxia
- Idiopática - Hereditária
- Induzida por drogas e toxinas
- Associada com doença do tecido conectivo, infecção pelo HIV, hipertensão portal, doença cardíaca congênita e esquistossomose
- 1’ DVOP e/ou HCP
- 1” HP persistente do recém-nascido
- Disfunção sistólica do ventrículo esquerdo
- Disfunção diastólica do ventrículo esquerdo
- Doença valvular
- Obstrução congênita/adquirida na via de entrada/saída do coração esquerdo
- Estenose congênita/adquirida das veias pulmonares
- Doença pulmonar obstrutiva crônica
- Doença pulmonar intersticial
- Outras doenças pulmonares com padrão obstrutivo e restritivo misto
- Distúrbios respiratórios do sono
- Distúrbios de hipoventilação alveolar
- Exposição crônica a alta altitude
- Doenças do desenvolvimento pulmonar
Classificação atual da HP
Grupo 4 – TEPC e outras obstruções da artéria pulmonar
Grupo 5 – HP com mecanismos multifatoriais e/ou incertos
- Hipertensão pulmonar tromboembólica crônica
- Outras obstruções da artéria pulmonar
- Angiossarcoma
- Outros tumores intravasculares
- Arterite
- Estenose congênita da artéria pulmonar
- Parasitas (hidatidose)
- Doenças hematológicas
- Doenças sistêmicas
- Doenças metabólicas
- Outros

DVOP: doença veno-oclusiva pulmonar; HCP: hemangiomatose capilar pulmonar.O TEP crônicoAssim como outras causas de obstruções vasculares, o TEP crônico (TEPC) fica no grupo 4 de classificação da HP. A doença deriva da resolução incompleta dos trombos, ocorrendo em cerca de 4% dos indivíduos após o episódio de TEP agudo, que consiste na obstrução da vasculatura arterial pulmonar por trombos provenientes da circulação venosa sistêmica. Na investigação diagnóstica dos pacientes com suspeita de TEPC, a cintilografia V/Q possui papel central, quando normal, permite excluir o diagnóstico. Se alterada, deve ser complementada com outros testes para a confirmação diagnóstica e a verificação da acessibilidade cirúrgica. Embora a angiografia digital ainda mantenha um papel importante no diagnóstico e no planejamento terapêutico (cirúrgico versus não cirúrgico), a tomografia computadorizada (TC) com multidetectores vem ganhando relevância e atualmente é reconhecida como um método diagnóstico capaz de cumprir essa atribuição. Cerca de 60% dos pacientes com TEPC são candidatos à tromboendarterectomia e o prognóstico daqueles submetidos ao tratamento cirúrgico é melhor do que os não cirúrgicos.Uso da TC de dupla energiaA tomografia computadorizada de dupla energia (DECT) é uma tecnologia recente, na qual dois espectros de fótons de energias diferentes são gerados pela mudança de voltagem de um tubo de raios X ou por dois tubos em diferentes voltagens. Os feixes apresentam energias diferentes, geralmente um com maior quilovoltagem, de até 140 Kv, e outro com menor quilovoltagem, de 80 Kv. Essa diferença de voltagem permite a análise de diversos materiais e componentes teciduais nas imagens tomográficas produzidas.O conceito de DECT provém da década de 70, porém só recentemente houve avanço da tecnologia para sua implementação na prática clínica. Sua utilização trouxe avanços na avaliação de diversas anormalidades torácicas, como nas oncológicas, na doença intersticial pulmonar e nas afecções mediastinais. Contudo, o maior avanço está na possibilidade de obtenção de estudos perfusionais pulmonares, com especial utilidade nos exames para a pesquisa de TEP.A tomografia de perfusão realizada num desses equipamentos de dupla energia (dual source) é um subproduto da angiotomografia para avaliação de TEP. Assim, não há necessidade de injetar contraste adicional, tampouco de realizar mais cortes tomográficos ou utilizar mais radiação. A distribuição do contraste iodado pelo parênquima pulmonar é documentada numa escala de tons que permite análises qualitativa e quantitativa das regiões com perfusão reduzida ou ausente. As áreas de hipoperfusão mapeadas pelo exame podem facilitar a identificação de pequenos trombos vasculares de difícil detecção, ajudando a caracterização tomográfica do tromboembolismo crônico.Ao mesmo tempo, a DECT fornece informações quanto à perviedade dos ramos pulmonares centrais e repercussões vasculares indicativas de HP, como aumento do tronco da artéria pulmonar e das câmaras cardíacas direitas e desvio paradoxal para a esquerda do septo interventricular. Ademais, demonstra a presença de enfisema ou derrame pleural. O fato é que o método observa diretamente o trombo e sua repercussão funcional, além de detectar outras causas de hipoperfusão regional. Em pacientes pouco colaborativos ou que tenham dificuldade em fazer apneia, recomenda-se o uso da técnica flash desse tomógrafo, na qual a aquisição de todo o tórax é realizada em menos de um segundo. Dessa forma, minimizam-se artefatos de movimentação. Em tais casos, contudo, convém abrir mão da técnica de dupla energia, uma vez que, embora ela possa ser feita em cerca de apenas cinco segundos, cobrindo toda a região torácica, um exame mais rápido gera menos artefatos quando há pouca colaboração do paciente.Vale ponderar que existe a possibilidade de falso-positivosna TC de dupla energia. As áreas de hipoperfusão detectadas podem corresponder a tromboembolismo crônico, mas, muitas vezes, não é possível diferenciá-las de outras causas de padrão em mosaico, como a bronquiolite, em que há áreas hipoperfundidas por vasoconstrição reflexa. Nesse cenário, o estudo cintilográfico mostra-se mais sensível e específico.O fato é que a cintilografia permanece como padrão-ouro para o diagnóstico do tromboembolismo crônico, configurando a primeira modalidade nessa investigação. Apesar de suas qualidades, a DECT não substitui o estudo V/Q, de acordo com os guidelines atuais (2015 ESC/ERS PH). 


Conclusão
O LES pode cursar com vasculite mediada por imunocomplexos, afetando arteríolas e capilares e, raramente, artérias centrais. Os pulmões e a pleura são frequentemente acometidos, com risco de pneumonite lúpica aguda, hemorragia pulmonar, vasculite arterial pulmonar, doença intersticial, embolia pulmonar por aumento na frequência de trombose periférica, hipertensão pulmonar, doença veno-oclusiva, pneumonia organizante com ou sem bronquiolite obliterante e pneumonia intersticial linfocítica.
A paciente do caso relatado tinha antecedente de TEP agudo e apresentou achados tomográficos e cintilográficos compatíveis com hipertensão pulmonar tromboembólica crônica, cuja prevalência é de até 4% após tromboembolismo agudo sintomático.
Considerando-se que, na presença do TEPC hipertensivo, o tratamento cirúrgico pode ser curativo, fica evidente a necessidade de uma abordagem ampla, com a utilização das múltiplas modalidades de imagem disponíveis para obter o diagnóstico apropriado e, como consequência, definir a abordagem terapêutica.



ASSESSORIA MÉDICA
Dr. Alexandre Marchini Silva
[email protected]
Dr. Luis Eduardo Coelho Andrade
[email protected]
Dra. Claudia M. Figueiredo
[email protected]
Dr. Gustavo Meirelles
[email protected]
Dr. Rogerio de Souza
[email protected]

*Caso gentilmente cedido pela professora doutora Jaquelina Sonoe Ota Arakaki, chefe do Setor de Doenças da Circulação Pulmonar – Disciplina de Pneumologia – Unifesp/EPM.