Tudo para rastrear DST na população feminina | Revista Médica Ed. 4 - 2014

Conheça o arsenal diagnóstico disponível para a avaliação ginecológica de rotina e gestacional

Conheça o arsenal diagnóstico disponível para a avaliação ginecológica de rotina e gestacional


Ocasionadas por bactérias, vírus e parasitas, as doenças sexualmente transmissíveis (DST) acometem mais de 1 milhão de pessoas ao dia no mundo e encontram-se entre os cinco principais motivos de consulta médica. Além do grande impacto para a saúde, algumas DST podem aumentar o risco de aquisição do HIV em três vezes ou mais, ser transmitidas ao feto durante a gestação e associar-se com desfechos perinatais desfavoráveis.


Microscopia eletrônica de transmissão evidencia o HPV, principal agente envolvido no câncer de colo uterino.

SPL DC/Latinstock


Infecção por HPV

Considerada hoje a DST mais comum, a infecção por HPV atinge cerca de 80% das pessoas em algum momento da vida. Por volta de 200 tipos do vírus já foram identificados, dos quais 45 infectam o trato genital e a região anorretal. Entre os de baixo risco oncogênico, o 6 e o 11 são os mais habituais e causam sobretudo verrugas genitais. Já os de alto risco incluem os tipos 16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68, 73 e 82 e associam-se a lesões de baixo e alto graus e câncer. Praticamente 100% dos casos da neoplasia de colo do útero derivam do HPV, estando 70% deles vinculados aos tipos 16 e 18. O agente ainda responde pelos cânceres anal (90% dos casos), de vagina, vulva ou pênis (40% dos casos) e de orofaringe (10%).


Além da colpocitologia, da colposcopia e/ou vulvoscopia e da análise histopatológica, feitas para o diagnóstico da infecção subclínica e clínica, os testes biomoleculares podem ajudar a identificar a infecção latente pelo vírus em amostras de esfregaços cervicais ou de biópsia. Entre os métodos mais usuais para esse diagnóstico estão a captura de híbridos, o microarray e a hibri­dação in situ, assim como a PCR, convencional ou em tempo real, cuja sensibilidade fica em torno de 90% a 100%. 


Já a identificação do RNA mensageiro para as oncoproteínas E6 e E7 possui sensibilidade de 60% a 85%, mas maior especificidade que os testes de DNA. A técnica detecta os cinco tipos virais mais prevalentes nas neoplasias malignas (16, 18, 31, 33 e 45) e deve ser pedida após um teste de DNA positivo para HPV de alto risco oncogênico. Sua positividade indica que o vírus está integrado ao genoma do paciente.


Indicações dos exames para HPV

Testes baseados em DNA

  • Estratificação de risco para lesões pré-neoplásicas ou neoplásicas, com ou sem a citopatologia

  • Seguimento após tratamento de lesões de alto grau

  • Diferenciação de processos reativos não induzidos pelo HPV em citologias ASC-US*

* Células escamosas atípicas de significado indeterminado.

Pesquisa de RNA mensageiro para E6/E7 (em paciente com HPV de alto risco)

  • Citologia ASC-US*

  • Citologia com lesão intraepitelial escamosa de baixo grau*

* Para identificar risco aumentado de progressão para lesão mais grave.

 

HIV revelado por microscopia eletrônica de transmissão.
James Cavallini/Photoresearchers/Latinstock



HIV/aids

O diagnóstico precoce da infecção pelo HIV é fundamental para o início da terapia antirretroviral tão logo haja a confirmação. Essa estratégia visa a melhorar a qualidade de vida da mulher e implantar medidas preventivas combinadas, reduzindo o risco de transmissão do vírus, inclusive a materno-fetal. 


A testagem para o HIV deve ser oferecida a todas as pacientes que procuram atendimento ginecológico, mesmo que de rotina, com periodicidade variável conforme o risco. A população mais exposta precisa ser testada pelo menos anualmente, como as mulheres que tiveram relações sexuais desprotegidas com mais de um parceiro desde a última sorologia, as que suspeitam de promiscuidade do parceiro, as profissionais do sexo, as parceiras sorodiscordantes de indivíduo HIV-positivo e as usuárias de drogas injetáveis ou parceiras de usuários.


O período entre a aquisição da infecção e a positivação dos testes pode variar entre duas semanas e três meses, dependendo da metodologia. Hoje, a maioria dos laboratórios utiliza métodos imunoenzimáticos de terceira ou quarta geração, que se tornam positivos, em média, entre três e quatro semanas de infecção. Nas pacientes que relatam exposição de risco recente ou em suspeitas de doença aguda, recomenda-se a pesquisa do RNA do vírus por PCR e a repetição da sorologia 30 dias após o primeiro teste negativo.


Indicações da sorologia anti-HIV

  • Todas as mulheres sexualmente ativas, a qualquer momento, sobretudo as que pretendem engravidar

  • Pacientes com qualquer DST, incluindo HPV, ou neoplasia cervical invasiva

  • História de candidíase vulvovaginal, herpes genital ou lesões relacionadas ao HPV exuberantes, intensamente recorrentes ou que não respondam ao tratamento

  • Gestantes, no primeiro trimestre e no momento do parto (teste rápido); e, em locais com alta prevalência do HIV, também no terceiro trimestre

  • Mulheres que relatem violência ou exposição sexual consensual de risco, no tempo zero e após 30 dias



Sífilis 

Doença sistêmica de etiologia bacteriana, a sífilis é causada pelo Treponema pallidum e divide-se, do ponto de vista clínico, em fases que podem ser superponíveis ou intercaladas por períodos variáveis de latência. Da mesma forma que o HIV/aids, a infecção tem de ser rastreada em pacientes assintomáticas, nas situações de exposição de risco e, sobretudo, na gestação.


As recomendações de diagnóstico variam de acordo com a fase clínica. Na primária, deve ser feita a pesquisa direta do Treponema pallidum por microscopia de campo escuro e/ou coloração pela prata do raspado da lesão. Como essa fase precede a produção de anticorpos, há possibilidade de sorologias negativas. Já a secundária caracteriza-se por altos títulos de anticorpos, que podem ser detectados por métodos que utilizam antígenos treponêmicos (FTA-Abs, ensaios imunoenzimáticos e quimioluminescentes e TP-hemaglutinação) e antígenos não treponêmicos (VDRL e RPR). É sempre necessário combinar, ao menos, duas metodologias. Embora sejam equivalentes, não se deve comparar o VDRL e o RPR, uma vez que os títulos obtidos por RPR costumam se apresentar levemente mais altos. Em grávidas, o rastreamento tem de ser feito já na primeira consulta do pré-natal com testes não treponêmicos, seguidos de confirmação com testes treponêmicos.


Interpretação das sorologias para sífilis


  • Na presença de teste com antígeno treponêmico positivo, os títulos do exame com antígeno não treponêmico correlacionam-se com a atividade da doença. Resultados com titulação =1/8 têm maior valor preditivo positivo. Uma variação de, pelo menos, duas diluições (por exemplo, de 1/4 para 1/16) é necessária para que se considere a alteração significativa.

  • Os exames feitos com antígeno treponêmico, uma vez positivos, usualmente assim permanecem por toda a vida do indivíduo, a despeito do tratamento. Sua positividade isolada pode representar infecção pregressa (cicatriz sorológica).

  • Quando as técnicas com antígenos treponêmicos e não treponêmicos são discordantes, deve-se confirmar o resultado por um segundo exame com antígenos treponêmicos.

  • Pacientes com duas técnicas com antígenos treponêmicos positivas, e que não tenham sido tratados, mesmo com o teste não treponêmico negativo, têm recomendação de tratamento, pois a sífilis latente com longo período de evolução e a sífilis terciária podem evidenciar queda dos títulos de anticorpos e, consequentemente, sorologias com antígenos não treponêmicos não reagentes.

  • A positividade em apenas uma das técnicas com antígenos treponêmicos pode indicar falso-positivo, quando se recomenda repetir a sorologia em 15 dias.

  • Após o tratamento, há necessidade de seguimento com RPR ou VRDL, mas o método tem de ser o mesmo adotado ao diagnóstico, com periodicidade trimestral, nos primeiros 12 meses, e semestral, até os 24 meses, para os casos que persistirem positivos após um ano. Em gestantes, esse rastreamento deve ser mensal.


Em gestantes 


Fonte: Portaria CCD-25, Coordenadoria de Controle de Doenças da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, 18/7/2011


Vale lembrar que doenças autoimunes, infecções crônicas e gestação configuram também causas de falsa-positividade em VDRL ou RPR.



Infecção por clamídia e gonococo

Uretrites


Embora as uretrites possam ter causas não infecciosas, a etiologia mais frequente dessa condição é mesmo a infecção por Neisseria gonorrhoeae e Chlamydia trachomatis. Além disso, agentes como Ureaplasma urealyticum/parvum, Mycoplasma genitalium e Trichomonas vaginalis podem estar implicados em tais quadros. 


O achado de diplococos gram-negativos intracelulares (DGNI) no exame bacterioscópico da secreção uretral indica a presença de N. gonorrhoeae, que muitas vezes se acompanha da infecção por C. trachomatis. As uretrites não gonocócicas – cuja bacterioscopia é negativa para DGNI – são causadas por clamídia em 15% a 40% dos casos. 


Para o diagnóstico das uretrites causadas por clamídia e gonococo, a PCR é o método com maiores sensibilidade e especificidade, de preferência em urina de primeiro jato, que tem coleta menos invasiva e desconfortável que a da secreção uretral, sem perda de sensibilidade. 


Ainda assim, a realização da cultura para N. gonorrhoeae em meio de Thayer-Martin e do antibiograma mostra-se de grande importância nesse contexto, dadas as elevadas taxas de resistência anti­microbiana dessa espécie na cidade de São Paulo.  


Já para a pesquisa de M. hominis e U. urealyticum/parvum, os testes moleculares não apresentam boa relação custo-benefício, pois há necessidade de uma avaliação quantitativa para a confirmação diagnóstica. Consideram-se significativas contagens =104 UTC/mL.  


Treponema pallidum mostrado por microscopia eletrônica de varredura.
Science Source/Photoresearchers/Latinstock


Vaginites e endocervicites


Nas mulheres, com frequência os agentes comumente relacionados com as uretrites em homens dão origem a vaginites e endocervicites. Estas últimas, vale ressaltar, podem ser assintomáticas em 70% da população feminina ou cursar sem corrimento vaginal, mas com disúria, dispareunia e desconforto pélvico. 


O exame bacterioscópico simultâneo das secreções vaginal e cervical mostra-se útil para o diagnóstico diferencial das cervicites por N. gonorrhoeae e C. trachomatis com outras causas de corrimento vaginal. A visualização de DGNI na secreção endocervical é específica para a infecção por gonococo, mas pouco sensível (em torno de 50%). A sensibilidade da microscopia para a pesquisa de tricomonas varia entre 50% e 70%. 


O método de escolha para a investigação específica das infecções por N. gonorrhoeae e C. trachomatis é a PCR no raspado endocervical, mais sensível do que a executada na secreção vaginal. A cultura desta, a propósito, ajuda a nortear a escolha terapêutica para gonorreia e a diagnosticar candidose. Por fim, a cultura específica para tricomonas possui sensibilidade de 80% e é o padrão-ouro para esse diagnóstico. 


 

Microscopia eletrônica de transmissão aponta exemplares da Chlamydia trachomatis
SPL DC/Latinstock


Rastreamento da Chlamydia trachomatis


Todas as mulheres sexualmente ativas com idade =25 anos devem ser rastreadas para a clamídia, da mesma forma que as mais velhas com fatores de risco. Os testes moleculares no raspado endocervical mostram-se mais sensíveis que os ensaios de fluorescência direta.

A sorologia apresenta valor limitado nesse contexto. A positividade em uma amostra isolada não confirma processo infeccioso ativo, uma vez que infecções prévias por C. trachomatis podem deixar níveis séricos de anticorpos elevados e ainda existe a possibilidade de ocorrerem reações cruzadas com outras espécies de clamídia. Assim, o diagnóstico de infecção recente depende de aumento significativo de IgA e/ou IgM e IgG (ao menos dois títulos) entre uma amostra coletada na fase aguda e outra na convalescente. Na prática, a sorologia deve ser reservada para o diagnóstico de linfogranuloma venéreo e de salpingites, em que os títulos de IgG são frequentemente elevados, bem como para investigações de infertilidade e gravidez ectópica.



Herpes genital

As manifestações provocadas pelo vírus Herpes simplex (HSV) são bastante típicas, permitindo muitas vezes o diagnóstico clínico. Trata-se de múltiplas pequenas lesões vesiculares intensamente dolorosas, que aparecem na vulva, agrupadas sobre base eritematosa, rompendo-se a seguir e tornando-se exulcerações capazes de coalescer em uma úlcera maior. O agente principal é o HSV-2, embora o HSV-1 também possa estar envolvido. Ambos se caracterizam por reativações de frequência variável, causando lesões recorrentes. 


Os exames laboratoriais são recomendados quando a lesão tem aspecto atípico e na diferenciação entre o HSV-1 e o HSV-2. O método mais sensível é a PCR. Os resultados negativos, porém, não excluem o diagnóstico, mesmo em um teste molecular, uma vez que a eliminação viral é intermitente e a sensibilidade da técnica depende da qualidade do material celular obtido na coleta. A análise citológica em busca de inclusões virais nas células epiteliais corrobora o diagnóstico, embora com baixas sensibilidade e especificidade.


A sorologia possui utilidade limitada, uma vez que os anticorpos podem demorar semanas para surgir após a primoinfecção e persistem positivos (IgG) por tempo indeterminado, não sendo recomendada para rastreamento.


 

Partículas do vírus Herpes simplex evidenciadas por microscopia eletrônica de transmissão.
SPL DC/Latinstock


Indicações da sorologia anti-HSV


  • Lesões genitais recorrentes ou com aspecto atípico, diante de isolamento viral e PCR negativos

  • Primeiro episódio de lesões genitais características de herpes, para documentar a primoinfecção e diferenciar o subtipo viral envolvido

  • Parceira assintomática de paciente com diagnóstico de herpes genital, para fins de aconselhamento

    Assessoria Médica
    Biologia Molecular e Ginecologia
    Dr. Gustavo Arantes Rosa Maciel
    [email protected]
    Dr. Ismael Silva
    [email protected]

    Infectologia 

    Dra. Carolina S. Lázari
    [email protected]
    Dr. Celso F. H. Granato
    [email protected]
    Dr. Jorge L. M. Sampaio
    [email protected]