Tumor neuroendócrino | Revista Médica Ed. 2 - 2017

Como a associação entre exames laboratoriais e diferentes métodos de imagem ajudou a confirmar o diagnóstico de gastrinoma.

Como a associação entre exames laboratoriais e diferentes métodos de imagem ajudou a confirmar o diagnóstico de gastrinoma


O CASO


Paciente de 50 anos de idade, sexo masculino, com história de dor epigástrica após alimentação havia três anos e necessidade de 100 mg de omeprazol para alívio do sintoma. Relatava episódios de diarreia intercalados com obstipação intestinal no mesmo período e emagrecimento de 10 kg em seis meses. Tinha antecedente de HAS e usava hidroclorotiazida 25 mg por dia e enalapril 40 mg por dia fazia um ano, sem outras comorbidades. Não apresentava história familiar patológica. Ao exame físico, chamaram a atenção a dor à palpação em região epigástrica e o fígado aumentado difusamente, assim como o IMC de 19 kg/m² e a PA de 140 x 90 mmHg. Interrompeu o uso de omeprazol por um período de dez dias para a coleta de exames laboratoriais, que mostraram os seguintes resultados:


  


Sobre o tumor neuroendócrino


Os tumores neuroendócrinos correspondem a um grupo heterogêneo de neoplasias que se originam das células neuroendócrinas em diferentes regiões do corpo, como pulmão, pâncreas e trato gastrointestinal, sendo classificados como funcionantes e não funcionantes, de acordo com o nível de secreção hormonal. Responsáveis por 55% a 70% dos casos, os gastrinomas produzem gastrina e se localizam normalmente no duodeno, onde costumam ser múltiplos e de tamanho pequeno, e raramente no pâncreas, onde são esporádicos, porém apresentam maior potencial de malignidade. A tríade gastrinoma pancreático, hipergastrinemia e doença ulcerosa péptica foi descrita por Zollinger e Ellison em 1955, recebendo hoje a denominação de síndrome de Zollinger-Ellison (SZE).


Aproximadamente 80% dos gastrinomas situam-se no trígono do gastrinoma, tendo como limites a confluência do ducto cístico com o ducto biliar comum, a segunda e terceira porções do duodeno e a cabeça e o corpo de pâncreas. As manifestações clínicas incluem dor abdominal, úlcera péptica, diarreia, esofagite de refluxo e esteatorreia.


Os gastrinomas podem ser malignos em aproximadamente 50% dos casos e gerar metástases para linfonodos regionais e fígado. Cerca de 40% dos pacientes com neoplasia endócrina múltipla tipo 1 (NEM-1) desenvolvem essa doença, que surge, em média, dez anos antes dos tumores esporádicos. Assim, todo portador de gastrinoma deve ser investigado para NEM-1. Aliás, a SZE ocorre frequentemente em associação com a hipercalcemia do hiperparatiroidismo primário na NEM-1.


A DISCUSSÃO


Avaliação laboratorial


O diagnóstico de gastrinoma fica estabelecido pela demonstração, em mais de uma ocasião, de níveis elevados de gastrina associados à elevação da secreção ácido-gástrica, sobretudo se o valor estiver acima de 1.000 pg/mL. O teste da secretina está indicado quando as concentrações de gastrina encontram-se entre 200 e 1.000 pg/mL. O critério com maior sensibilidade e especificidade para definir o gastrinoma é um aumento das concentrações de gastrina ≥120 pg/mL, pelo National Institute of Health (NIH), ou ≥200 pg/mL, conforme o consenso europeu de 2009.


O teste de infusão de cálcio não é considerado de primeira linha, pois tem maior chance de efeitos colaterais e apresenta menor sensibilidade quando comparado ao teste da secretina. Destaca-se que o uso de inibidores de bomba de prótons deve ser interrompido de dez dias a duas semanas antes da prova, podendo, no entanto, ser substituído por um bloqueador H2.


Já os marcadores tumorais são importantes tanto para o diagnóstico quanto para o acompanhamento dos pacientes. A cromogranina A (CgA) é uma proteína de 49 KDa presente nas vesículas de células do sistema neurossecretório, configurando o marcador tumoral mais sensível nesse contexto e servindo em conjunto tanto para o diagnóstico quanto para o acompanhamento do gastrinoma. A presença de níveis maiores de CgA sugere lesões metastáticas.


 

Múltiplas metástases hepáticas e ósseas com acentuada expressão dos receptores da somatostatina.

Diagnóstico por imagem


Após o diagnóstico laboratorial, devem-se realizar exames de imagem com o intuito de localizar o gastrinoma e possíveis lesões metastáticas, como tomografia computadorizada (TC) de abdome com foco em pâncreas, ressonância magnética (RM) com foco em pâncreas e vias biliares, ecoendoscopia pancreática, cintilografia com 111I-pentetreotida e, mais recentemente, PET/CT 68Ga-DOTA.


O paciente do caso relatado realizou os exames de imagem para estabelecer o diagnóstico. A ultrassonografia de abdome mostrou nodulações hepáticas múltiplas, vesícula biliar sem alterações e pâncreas de difícil visualização. A endoscopia digestiva alta identificou úlceras gástricas em região de antro sugestivas de SZE, que foram submetidas à biópsia. O exame anatomopatológico descartou neoplasia maligna e evidenciou apenas úlceras em atividade, com pesquisa de H. pylori negativa. A colonoscopia foi normal.


A TC de abdome e a colangiorressonância magnética identificaram lesão de 3 cm em região de transição entre o corpo e a cauda de pâncreas, sugestiva de tumor de linhagem neuroendócrina, além de múltiplas lesões hepáticas de provável etiologia secundária. O paciente também realizou ecoendoscopia pancreática, que encontrou a massa de 3 cm no mesmo local e orientou a realização da biópsia.


Por fim, o exame de PET/CT 68Ga-DOTA evidenciou múltiplas lesões hepáticas hipoatenuantes e múltiplas lesões ósseas escleróticas no esqueleto axial e apendicular apresentando acentuada expressão dos receptores de somatostatina (SUV até 50).


Importante na caracterização fenotípica das lesões, inclusive as metastáticas, que, às vezes, podem ter comportamento diferente da lesão primária ou entre si, o exame de PET/CT 68Ga-DOTA utiliza a injeção de um análogo da somatostatina (octreotídeo marcado com 68Ga). A captação do radiofármaco, nesse contexto, significa presença de receptor – quanto maior a captação, maior a quantidade de receptores, maior a diferenciação tumoral, menor o valor de Ki67 e melhor o prognóstico. A captação positiva também ajuda a definir conduta. Pacientes com captação no exame de PET/CT 68Ga-DOTA respondem à terapia-alvo com análogos da somatostatina ou à radiopeptideoterapia com análogos marcados com lutécio-177.


O PET/CT 68Ga-DOTA é o único exame de imagem, junto com o octreoscan, capaz de caracterizar a presença de receptores nos tumores neuroendócrinos. Por sua maior acurácia, deve ser o método de escolha nesse contexto, ficando o octreoscan reservado apenas para situações de indisponibilidade do primeiro.


Anatomia patológica


A avaliação histopatológica faz o diagnóstico definitivo do tumor neuroendócrino. Os tumores são classificados em bem diferenciado (graus 1 e 2), que se caracteriza por pouca atipia celular e baixa taxa de proliferação celular, e em pouco diferenciado (grau 3), que apresenta alto nível de atipia e elevada taxa de proliferação celular. A imuno-histoquímica também auxilia a definição diagnóstica. A avaliação da proliferação celular pelo Ki67 deve ser feita em todos os casos e nas regiões de maior densidade mitótica. Esse marcador pode ser associado como fator prognóstico de comportamento tumoral e de resposta à quimioterapia.


No caso relatado, o estudo anatomopatológico da biópsia feita por ecoendoscopia mostrou tumor de origem neuroendócrina, com imuno-histoquímica positiva para cromogranina, sinaptofisina e gastrina, além de Ki67 de 3%, e negativa para insulina e glucagon. A biópsia hepática guiada por tomografia de abdome de segmento IV apresentou anatomopatológico com lesão compatível como secundária, com imuno-histoquímica positiva para sinaptofisina, cromogranina e gastrina.


CONCLUSÃO


O paciente tinha quadro clínico bem típico de gastrinoma, com dosagem de gastrina basal diagnóstica e dosagem de cromogranina compatível com lesões metastáticas. Apresentava lesão pancreática sugestiva de características neuroendócrinas ao exame de imagem, já com metástases hepática e óssea. A biópsia guiada por ecoendoscopia pancreática e a biópsia de lesão hepática guiada por TC confirmaram se tratar de um gastrinoma com índice de proliferação (Ki67) de 3%, enquanto o exame de PET/CT 68Ga-DOTA demonstrou múltiplas metástases, evidenciando a presença de receptores da somatostatina.


Diante do quadro clínico, o paciente foi encaminhado ao cirurgião de aparelho digestivo e ao oncologista, tendo sido submetido a pancreatectomia corpocaudal e esvaziamento linfonodal – sem gastroduodenectomia, para não aumentar a morbimortalidade – e, logo depois, à quimioterapia.


Assessoria Médica
Endocrinologia
Dr. José Viana Lima Junior
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Dra. Maria Izabel Chiamolera
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Dra. Milena Gurgel Teles Bezerra
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Dra. Rosa Paula Mello Biscolla
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Imagem
Dr. Gustavo Meirelles
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Dra. Julia Capobianco
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Dr. Marco A. C. Oliveira
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Dra. Paola Emanuela P. Smanio
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Dr. Felipe de Galiza Barbosa
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Imagem
Dr. Aloísio S. Felipe da Silva
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Dra. Diva C. Collarile Yamaguti
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