Ultrassom abdominal e escrotal em caso de proteinúria sem causa aparente

Que possibilidades considerar após avaliar os estudos de imagem?

Adolescente de 16 anos veio ao laboratório para fazer ultrassonografia abdominal e escrotal, embora não tivesse queixas clínicas ou alterações evidentes ao exame físico. Estava em acompanhamento laboratorial de proteinúria leve e albuminúria havia seis anos, sem causa esclarecida. Os valores de proteinúria variavam entre 0,21 e 0,68 g/L (VN inferior a 0,05 g/L) e 0,16 e 1 g/24h (VN inferior a 0,15 g/24h). Já os de albuminúria variavam entre 32 e 545 g/24h (VN inferior a 0,15 g/24h). Os demais exames laboratoriais de sangue e urina encontravam-se dentro da normalidade.


Imagem A

Imagem B

Imagem C

Imagem D

Imagem E


As imagens da ultrassonografia abdominal avaliaram o rim esquerdo (A) e a veia renal esquerda no eixo longo (B). Ao estudo com Doppler colorido e pulsado, a veia renal esquerda foi visualizada ao longo do seu trajeto (C) e as velocidades, aferidas na sua porção proximal (D). A ultrassonografia escrotal com Doppler, em repouso, mostrou o fluxo das veias do plexo pampiniforme esquerdo (E).


Diante das alterações observadas, qual o diagnóstico?

  • Nefropatia parenquimatosa com insuficiência renal
  • Síndrome de compressão da veia renal esquerda
  • Exame normal com alterações laboratoriais pós-exercícios físicos extenuantes
  • Síndrome da artéria mesentérica superior


Resposta do caso de proteinúria sem causa aparente

O fenômeno de compressão da veia renal esquerda (VRE), ou quebra-nozes (nutcracker), refere-se à compressão extrínseca significativa da VRE no espaço aortomesentérico, no caso de trajeto venoso usual, ou entre a aorta e a coluna, no caso de VRE retro ou circum-aórtica. A condição causa dificuldade de escoamento do fluxo renal para a veia cava inferior, determinando efeitos sobre a interface excretora renal e sobre a circulação venosa a montante. 

As causas variam desde ptose renal, localização alta da VRE, origem anômala da artéria mesentérica superior, características físicas e emagrecimento abrupto até compressão mecânica por tumores, linfonodomegalias ou, mais comumente, tecido fibrolinfático no espaço aortomesentérico. 

A compressão significativa da VRE provoca hipertensão venosa renal esquerda, que leva ao desenvolvimento de colaterais intrarrenais, cujas finas paredes podem se romper nos fórnices calicinais, ocasionando hematúria, achado mais frequente, e proteinúria, em geral mais proeminente em ortostase. Após as alterações urinárias, os sintomas mais frequentes relacionam-se ao desvio do fluxo do território renal para a veia gonadal esquerda (VGE). Sob regime de elevada pressão, essa veia se alarga e se torna incompetente, causando dilatação de veias pélvicas em mulheres e do plexo pampiniforme em homens, o que pode levar a quadros de dor no flanco esquerdo, síndrome de congestão pélvica e varicocele. 

Diante da suspeita de síndrome de compressão da VRE, exames de imagem contribuem para a elucidação diagnóstica, como a ultrassonografia com Doppler, a angiotomografia e a angiorressonância, que focam em achados diretos e indiretos da compressão.

A ultrassonografia com Doppler é modalidade não invasiva e sem contraindicações, capaz de caracterizar tanto o estreitamento luminal proximal e dilatação distal da VRE quanto a repercussão nas velocidades de fluxo, que se encontram aumentadas no ângulo aortomesentérico e reduzidas junto ao hilo renal. O exame pode ser realizado em ortostase, o que aumenta sua acurácia diagnóstica. 

Apesar de a VGE muitas vezes ser inacessível ao método, sua análise pode contribuir no diagnóstico se o exame evidenciar, nesse vaso, dilatação e refluxo. A avaliação deve incluir ainda o estudo endovaginal e escrotal com Doppler, sendo critérios diagnósticos varizes à esquerda, sobretudo se essas veias forem bastante calibrosas e apresentarem refluxo espontâneo e contínuo. Em um raciocínio clínico inverso, vale lembrar que pacientes com essas alterações devem realizar estudo dirigido da VRE para descartar causa mecânica cranial.

A angiotomografia e a angiorressonância são excelentes métodos para confirmar casos duvidosos ou fornecer informações anatômicas adicionais, em particular sobre a VGE e a localização de colaterais locorregionais e distais. A angiorressonância pode também agregar informações ao analisar o desvio do fluxo em sequências dinâmicas, estando mais indicada a pessoas mais jovens por não utilizar radiação ionizante.


Imagem de RM confirma a compressão proximal da VRE.


Critérios diagnósticos ultrassonográficos

  • Razão entre o maior e o menor diâmetro da VRE >5 
  • Razão entre a maior e a menor velocidade na VRE >5 
  • Razão entre os diâmetros + razão entre as velocidades >5 
  • Ângulo aortomesentérico <41° em decúbito dorsal e <21° em ortostase 
  • Varizes pélvicas com calibre >0,50 cm e com refluxo espontâneo 
  • Varicoceles com calibre >0,30 cm e com refluxo espontâneo ARQUIVO FLEURY 
  • Ectasia >0,50 cm e refluxo de VGE


Consultoria Médica

Ultrassonografia e Imagem Cardiovascular 

Dr. André Paciello Romualdo 

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