A população mundial triplicou de tamanho nos últimos 70 anos, enquanto a média etária aumentou em 30% e a expectativa de vida, em mais de 50%. Como consequência, o grupo com idade igual ou superior a 65 anos passou de 5,1%, na década de 1950, para quase 10%, em 2020, com estimativas de alcançar cerca de 15%, em 2050, e 20%, em 2100.
Evolução da população mundial de 1950 a 2100
*Quantidade de pessoas entre 25 e 64 anos, consideradas economicamente ativas, em relação à população de 65+
Adaptado de: World Population Prospects 2022 (United Nations – Department of Economic and Social Affairs), disponível em https://www.un.org/ development/desa/pd/content/World-Population-Prospects-2022
Ao aumento gradativo da expectativa de vida, soma-se a redução da taxa de natalidade, o que se traduz em elevação proporcional da população idosa e, consequentemente, em diminuição da razão de suporte potencial.
O envelhecimento populacional não afeta apenas os dados demográficos. Os idosos sofrem diversas alterações na resposta imunológica – como consequência de um processo conhecido como imunossenescência, combinadas com o progressivo estado pró-inflamatório característico do avanço da idade, o inflammaging. Essas mudanças interferem na forma com que o organismo res - ponde ao contato com um agente infeccioso, observando - -se maior tendência de infecções mais graves e aumento do número de hospitalizações e óbitos, além de uma res - posta menor a novos antígenos, incluindo os imunógenos contidos nas vacinas.
Processo de imunossenescência
A imunossenescência corresponde às diversas mudanças no sistema imunológico que ocorrem com o envelheci - mento, que culminam com a redução das respostas imunológicas inata e adaptativa e com um incremento do estado pró-inflamatório.
Esse processo complexo envolve uma série de eventos que atingem diferentes células e tecidos, assim como alterações na expressão de proteínas, na regulação de genes e na sinalização de vias e redes biológicas. Ficam reduzidos o número e as funções de neutrófilos, monócitos e células dendríticas, como a quimiotaxia, a fagocitose, a sinalização de vias celulares e a morte celular pela produção de radicais livres.
Na imunidade adaptativa, a imunossenescência não apenas compromete a produção de células progenitoras B e T, mas também a composição e a qualidade do pool de linfócitos maduros. Por causa da mudança nas células progenitoras, há também redução significativa da linfopoese primária nos idosos. Na medula óssea, ainda há aumento da expressão de genes de linhagem mieloide e inibição daqueles destinados à linhagem linfoide.
Aliás, a medula óssea diminui significativa - mente com a idade e sofre diferenciação das células estromais em unidades semelhantes aos adipócitos, reduzindo o número absoluto de células progenitoras de linfócitos B, como células pró-B e pré-B. Por consequência, esse compartimento se torna rico em linfócitos B de memória tardia, grupo de células inflamatórias com características de senescência celular, o que mantém e propaga a resposta inflamatória e regula negativamente a função de outros ele - mentos do sistema imunológico.
Com a redução do timo, ocorre desorganização de sua estrutura, com queda na produção de células epiteliais e, semelhantemente ao que ocorre na medula óssea, aumento de adipócitos infiltrantes. As principais alterações observadas com o avanço da idade incluem redução das células T progenitoras, declínio gradual na resposta funcional das células T efetoras e de memória, comprometimento da capacidade dos linfócitos CD4+ em se diferenciar em sub - grupos funcionais – comprometendo, assim, a imunidade humoral – e elevação da razão entre células Th17 e T reguladoras, levando a um estado basal pró-inflamatório. Portanto, o declínio gradual na produção de novas células T, combinado com o acúmulo daquelas terminalmente diferenciadas semelhantes às de memória na periferia, contribui com a redução do repertório de células T progenitoras e limitam a capacidade do sistema imunológico de responder efetivamente a novos antígenos.
As células dendríticas, que servem como um elo entre as imunidades inata e adaptativa, também sofrem alterações. O número das que circulam permanece estável, porém há dimiuição significativa das plasmacitoides, com queda importante na secreção de interferon para combater as infecções respiratórias virais (como influenza) e de outros estímulos, bem como redução na produção de citocinas pró- -inflamatórias nas mieloides. Também se demonstrou que, em idosos, as unidades derivadas de monócitos são menos eficazes em estimular a proliferação de células progenitoras T CD4+ e CD8+ e a resposta às citocinas.
Como resultado da imunossenescência, a população idosa apresenta um aumento da suscetibilidade a infecções, especialmente por influenza, Streptococcus pneumoniae (pneumococo), vírus sincicial respiratório (VSR) e Streptococcus agalactiae (estreptococo do grupo B), além de infecções crônicas reemergentes e oportunistas, como o herpeszóster. Conforme já mencionado, essa remodelação do sistema imunológico igualmente diminui a resposta a novos antígenos, incluindo os antígenos vacinais.
Inflammaging
Em paralelo à imunossenescência, o envelhecimento se caracteriza pelo que se denomina inflammaging – terminologia em língua inglesa proposta no ano 2000 e formada pela junção de inflammation (inflamação) + aging (envelhecimento) –, definido como um progressivo processo inflamatório crônico de baixa magnitude e independente de patógenos. Essa condição sistêmica lesa os tecidos e é deletéria para todo o organismo por resultar de múltiplas causas: acúmulo de dano tecidual pró-inflamatório, falha do sistema imunológico, cada vez mais deficiente em eliminar efetivamente os microrganismos e as células hospedeiras disfuncionais, propensão das células senescentes em secretar citocinas pró-inflamatórias, aumento da ativação do fator de transcrição NFĸB e ocorrência de resposta autofágica defeituosa. Tais alterações elevam a ativação do inflamassoma e de outras vias pró-inflamatórias, ocasionando a produção aumentada de IL-1b, fator de necrose tumoral e interferons.
O inflammaging interfere de maneira importante na suscetibilidade a doenças e na resposta imunológica à vacinação dos indivíduos idosos. Nesse sentido, já há dados que mostram que o maior nível de citocinas inflamatórias nas células imunológicas e no sangue correlaciona-se com a baixa resposta à imunização. Estímulos que contribuem para o inflammaging incluem infecções bacterianas e virais agudas e crônicas, bem como debris celulares e agregados proteicos provenientes da morte celular contínua que ocorre no organismo. Alterações na microbiota decorrentes da idade ainda modificam a permeabilidade intestinal e causam inflamação sistêmica e disfunção de macrófagos, promovendo o processo inflamatório associado com a idade.
Necessidade de vacinas desenvolvidas para o idoso
A vacinação é uma medida essencial para proteger o idoso da morbidade e da mortalidade decorrentes de doenças imunopreveníveis. Contudo, a imunossenescência e o inflammaging interferem significativamente no modo como o sistema imunológico responde às doenças e aos componentes vacinais. Em termos de doenças, a maior suscetibilidade da população idosa ao influenza sazonal, ao Sars-CoV-2, à infecção pneumocócica e à reativação do vírus varicela-zóster coloca essas enfermidades como causas importantes de aumento na morbimortalidade nessa faixa etária, bem como de sequelas agudas e de longo prazo. Influenza, Covid-19 e pneumonia estão entre as principais causas de óbitos no mundo entre os idosos. A essa maior suscetibilidade, soma-se o fato de as vacinas mais comumente utilizadas apresentarem menor imunogenicidade e efetividade na população idosa em comparação aos adultos mais jovens.
Como exemplo, a vacinação contra a gripe apresenta eficácia entre 70% e 90% em crianças e adultos, diminuindo para 30% a 50% nos indivíduos com mais de 65 anos. No caso do imunizante trivalente inativado contra o influenza, a prevenção contra hospitalização para pneumonia em pessoas com idade igual ou superior a 65 anos varia de 30% a 70%. A eficácia de outras vacinas, como a pneumocócica e da hepatite B, também sofre redução com o aumento da idade e tem duração mais curta da proteção.
Em relação às vacinas pneumocócicas, dados mostram que a resposta imunológica ao imunizante pneumocócico polissacarídeo 23-valente (VPP23) é menor em indivíduos acima de 65 anos, além de poder levar à hiporresponsividade com a administração de doses repetidas. Por outro lado, vacinas polissacarídeas conjugadas, como a 13-valente (VPC13), e as novas 15-valente (VCP15) e 20-valente (VCP20) – ainda em processo de aprovação pela Anvisa –, desencadeiam uma resposta dependente de células T, produzindo títulos altos de anticorpos funcionais e duração mais longa da proteção, e possibilitam o bloqueio da colonização da nasofaringe pelas cepas contempladas nesses produtos. A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) recomenda, para a população idosa e para indivíduos com risco aumentado para infecção pneumocócica, iniciar o esquema de imunização com vacinas conjugadas (VPC13) e seguir com a VPP23.
O herpes-zóster, por sua vez, tem incidência crescente com a idade e configura uma causa importante de hospitalizações no idoso, assim como de complicações decorrentes da doença, como neuralgia pós-herpética – persistente mesmo após a resolução do quadro agudo –, infecção bacteriana secundária e maior incidência de acidente vascular isquêmico encefálico nas semanas que se seguem à infecção. Dessa forma, o objetivo da imunização contra o zóster a partir dos 50 anos é prevenir a infecção em si e reduzir as hospitalizações e a incidência de neuralgia pós-herpética.
Por questões epidemiológicas, historicamente, a maior parte das vacinas foi desenvolvida com o foco principal em crianças e jovens. Entretanto, com a mudança do perfil da população mundial, temos hoje a preocupação premente com os idosos nos estudos que envolvem o aperfeiçoamento e a criação de novos imunizantes. Idealmente, esses produtos devem ser capazes de compensar o efeito negativo da imunossenescência e do inflammaging sobre a resposta vacinal, além de combater os agentes infecciosos que aumentam a incidência de doenças imunopreveníveis em decorrência das comorbidades frequentemente associadas à população idosa, como diabetes mellitus, câncer, afecções autoimunes e enfermidades neurológicas.
Cada vez mais as estratégias de vacinação visam à população idosa, desde o desenvolvimento de produtos próprios para o idoso e o desenho da vacina, passando pelos estudos clínicos, até a definição de protocolos de imunização. Nesse contexto, vêm sendo considerados aspectos como a criação de adjuvantes e formulações específicos para o idoso, com mecanismo de ação adaptado à imunossenescência e ao processo de inflammaging, de forma a induzir resposta imunológica efetiva sem exacerbar o estado inflamatório e, assim, melhorar os desfechos clínicos; a inclusão do conceito de imunobiografia para desenvolver novos imunizantes, o que consiste em guiar a estratégia de acordo com grupos específicos de idosos, levando em conta os históricos clínico, imunológico, socioeconômico e geográfico; a estratificação dos pacientes por idade; e a adoção de sistemas que integram todos os dados coletados (clínicos, imunobiográficos etc.) para ajudar a direcionar o desenvolvimento das vacinas de nova geração e otimizar o uso das já existentes.
Calendário de vacinação do idoso (60+ anos)
RECOMENDADAS PARA NÃO VACINADOS OU INCOMPLETAMENTE VACINADOS
Adaptado de: Recomendações da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) – 2022/2023 (disponível em: https://sbim.org.br/images/calendarios/ calend-sbim-idoso.pdf) e de Vaccine Recommendations and Guidelines of the Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) (disponível em: https://www.cdc.gov/vaccines/hcp/acip-recs/vacc-specific/index.html).
CONSULTORIA MÉDICA
Dr. Daniel Jarovsky
Dra. Janete Kamikawa
Pode ser utilizada para detectar o DNA da bactéria Leptospira spp. no plasma.
Avaliação complementar da análise histológica convencional de lesões pré-neoplásicas e neoplásicas.
Dados da OMS de 2022 revelam que há cerca de 254 milhões de portadores de hepatite B no mundo.
A uveíte é uma inflamação ocular que representa uma das principais causas de morbidade ocular.