Vídeo aula - Vanishing do adulto

A importância da integração dos exames de imagem com recursos da genômica no diagnóstico das doenças neurológicas


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O CASO

Mulher, 44 anos, procurou atendimento médico com queixa de dificuldades motoras e vômitos. Referiu que o problema vinha se agravando lenta e progressivamente ao longo dos últimos três anos, com perda da coordenação motora e desequilíbrio, e que, nas últimas semanas, vinha apresentando de dois a três episódios de vômitos por dia, imotivados. Relatou, como história familiar, pais consanguíneos (primos), embora desconhecesse sintomas semelhantes entre seus parentes.

O exame neurológico revelou ataxia grave da marcha, disartria e tremor intencional bilateral, com espasticidade dos membros superiores e inferiores. Já os reflexos tendinosos eram normais, assim como a orientação e a cooperação da paciente.

 A tomografia computadorizada (TC) de crânio e a ressonância magnética (RM) com espectroscopia, feitas na ocasião, encontram-se abaixo documentadas.

Imagens da TC (A e B) nos planos axial e sagital mostram alteração difusa dos coeficientes de atenuação da substância branca dos hemisférios cerebrais. Não se observam calcificações patológicas. As imagens de RM confirmam os achados de comprometimento difuso da susbstância branca supra e infratentorial. Na sequência FLAIR (C-F) observa-se o acometimento difuso da substância branca, com áreas de cavitação nos lobos frontais e parietais (setas). Não se observam áreas de restrição à difusão (G) ou impregnação pelo gadolínio. O padrão da espectroscopia por RM é inespecífico, com sinais de despopulação/disfunção neuronal caracterizada por redução dos picos de n-acetilaspartato e de suas relações (seta), bem como aumento do pico de mioinositol e de suas relações (setas duplas), que denotam mecanismos de reparação astrocitária.


DISCUSSÃO

Uma das doenças hereditárias autossômicas recessivas mais comuns que afetam a substância branca, a leucoencefalopatia com substância branca evanescente (VWM, do inglês vanishing white matter disease) caracteriza-se por deterioração neurológica crônica e progressiva, apesar de ter uma apresentação fenotípica e um curso clínico altamente variáveis.

A VWM foi descrita inicialmente em crianças pequenas com ataxia cerebelar e espasticidade, com progressão lenta dos sintomas, em geral, e possibilidade de episódios de rápido declínio neurológico diante de certos estressores, como infecção ou traumatismo cranioencefálico. Mais recentemente, contudo, tornou-se aparente que a doença tem um espectro mais amplo do que o originalmente descrito, com relatos de quadros menos graves e com evolução mais prolongada, de início na adolescência e na idade adulta. Os adultos usualmente apresentam crises epilépticas, enxaqueca complicada, demência pré-senil e sintomas psiquiátricos como manifestações iniciais. Ademais, muitas mulheres afetadas apresentam uma combinação de leucoencefalopatia com amenorreia primária ou insuficiência ovariana prematura, condição denominada ovarioleucodistrofia. Nesses casos, a disfunção ovariana pode preceder o declínio neurológico.

A importância da radiogenômica no diagnóstico

O diagnóstico clínico é suportado pelo estudo de imagem (RM), que demonstra o acometimento difuso e simétrico da substância branca supra e infratentorial, alterações que podem, inclusive, ser detectadas em pacientes pré-sintomáticos (tabela).

O estudo genético, por fim, confirma a doença. O defeito básico reside em qualquer uma das cinco subunidades do fator de iniciação da tradução eucariótica eIF-2B, essencial em todas as células do corpo para a síntese de proteínas e sua regulação sob diferentes condições de estresse. Apesar da alteração genética ser encontrada em genes de manutenção (eIF2B1, eIF2B2, eIF2B3, eIF2B4 e eIF2B5), a VWM é primariamente um distúrbio cerebral, no qual oligodendrócitos e astrócitos são seletivamente afetados.

No caso descrito, foi identificada, pelo exoma, a variante c.338G>A, em homozigose, no gene ELF2B5, já amplamente identificada em pacientes com VWM e, de acordo com os critérios do Colégio Americano de Genética Médica (ACMG), comprovadamente patogênica.

Vale ressaltar que a correlação entre os achados de RM típicos e a detecção de mutações nos genes associados é muito alta, corroborando a sensibilidade da RM como uma ferramenta eficaz para o estabelecimento do diagnóstico presuntivo.


Critérios da RM para o diagnóstico da VWM 
Critérios obrigatórios:
1. Comprometimento difuso da substância branca, sendo que a justacortical pode ser poupada.
2. Parte ou toda a substância branca anormal tem alteração de sinal em densidade de prótons (DP) e FLAIR, com aspecto de rarefação ou degeneração cística (esta com sinal próximo ao do líquor).
3. Se as imagens em DP e FLAIR sugerem que toda a substância branca cerebral desapareceu, há uma distância fluida entre o revestimento ependimário e o córtex, mas não um colapso total da substância branca.
4. O desaparecimento da substância branca cerebral ocorre em um padrão de "derretimento" difuso.
5. Os lobos temporais são relativamente poupados na extensão do sinal anormal, no grau de destruição cística, ou ambos.
6. A substância branca cerebelar pode estar anormal, mas não contém cistos.
7. Não há focos de impregnação pelo gadolínio.

Critérios sugestivos:
1. Dentro da substância branca anormal há um padrão de faixas radiais vistas nos planos sagital e coronal em T1 ou FLAIR. No plano axial, são vistas imagens lineares e pontos dentro da substância branca anormal, correspondendo aos cortes transversais das faixas radiais acima mencionadas.
2. Lesões do tracto tegmentar central no tegmento pontino.
3. Envolvimento da borda interna do corpo caloso, enquanto que a borda externa é poupada.

Adaptado de Lancet Neurol 2006; 5: 413–23


CONCLUSÃO

O caso clínico ilustra a importância da integração de diferentes especialidades e tecnologias no diagnóstico de doenças neurológicas. A associação da neuroimagem com os recursos da genômica permite além de precisão diagnóstica e avaliação prognóstica, melhor definição terapêutica e aconselhamento genético do indivíduo e de sua família.


Consultoria médica

Genética

Dr. Caio Robledo Costa Quaio

[email protected]

Dr. Wagner Antônio da Rosa Baratela

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Neuroimagem

Dr. Carlos Jorge da Silva

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Dr. Douglas Mendes Nunes

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